10 outubro 2008

Sobre a compreensão dos fatos


Tudo parece um grande desperdício de tempo, carregado de inutilidade. Seria, pois, uma impressão provisória e intencionalmente trabalhada para que assim nos parecesse. A realidade cotidiana jamais deveria se mostrar desta maneira a nossa reflexão, ora patética, ora violenta, ora desanimadora, porém sempre imersa em espetaculosidade. Nossos olhos permanecem atentos às imagens, que não fluem em sua continuidade natural. Por uma questão de sintaxe audiovisual, elas são necessariamente fabricadas, ou, mais tecnicamente, editadas. São essas imagens editadas que nos absorvem a todos na maior parte de nossa jornada diária, que nos desmontam por sua eficácia semântica e nos seduz a abraçar a causa ideológica que desponta tão evidente, tão bem colocada. Eventualmente a imagem editada pode ser ilustrada por uma locução, seja ela indignada, debochada, séria, não importa, o que conta é que ela não é neutra. A locução pode ser over, ou seja, sobrepondo as imagens editadas que vemos - como ocorre nos noticiários - ou posterior a elas, e neste caso sob a rubrica de um comentário. Por exemplo, logo após a apresentação de um fato político, as imagens televisivas dão lugar a um comentarista que, no intuito de explorar o fato, apresenta a nós, receptores da mensagem, uma interpretação contundente, seja ela jocosa ou solene. Essa inferência aprofunda o caráter ideológico do emissor da mensagem, retirando a sensatez do direito de reflexão do telespectador/receptor. Fica no ar a necessidade de adesão ao discurso ideológico, por mais que discordemos dele. O argumento - substrato do sistema de idéias que sustenta a informação veiculada - será repetido diversas vezes ao longo dos dias, sendo apresentado como fruto da opinião pública, quando na verdade sequer saiu das mesas de edição.

De nossa parte, caberia ativar o senso crítico e – como receptores dessa massa de informações que absorvemos diariamente, em grande parte proveniente de um grande conglomerado – questionar a veracidade da edição. Desgraçadamente, porém, acabamos nos submetendo à notícia pronta, ao fato redondo, transmitido sob os auspícios de um alto padrão de qualidade, que afasta qualquer iniciativa em questionar seja lá o que for. Tudo está dado, dentro de um sistema tido como democrático, por que duvidar? Na verdade, o golpe é sutil: um pacote de impressões que nos impõe uma leitura, um entendimento, adestrando o senso crítico social de modo contínuo, desgastando nossa força de discernimento, nossa vontade criativa, nossa consciência da realidade. Daí porque nos transformamos em reprodutores de idéias veiculadas (nossa mísera participação na dita opinião pública), sempre em nome de uma suposta preservação do bem-estar social.

Historicamente deixamos de avaliar, de criticar e por fim, de compreender o que se passa em nosso cotidiano. A ação política passa a ser negada e hoje menosprezada nos entrechos do discurso midiático. Como resultante dessa distorção na comunicação, os anseios sociais passaram de reprimidos a ignorados ao longo dos anos. Afastados do direito de exercermos nossa crítica junto aos meios de comunicação, nos abandonamos à margem, sem direito à alegoria, constrangidos por um grande método que satisfaz algo tão abstrato como isso que nomeiam de mercado.

Há que resistir, embora não se resista; há que sonhar, embora no horizonte, só tristes pesadelos.


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