Foi a primeira vez que presenciei o desconsolo inscrito em sua face. Nas vezes anteriores, sempre achou um jeito de tripudiar em cima dos vizinhos, da população excluída, do governo, de quem estivesse mais à mão. Não havia nada de provocador, mas de presumido. De qualquer forma, não era um esforço para eu parar onde fosse e ouvi-lo em seus pruridos.
Desta feita, contrário a tudo que podia imaginar, me surpreendi por sua aproximação sorumbática, pela voz lamuriosa que mal se arvorou, Fui abandonado. Não tinha disposição sequer para comentar o fato, a conversa malsã com a companheira, conseguindo se tanto balbuciar um arremedo de frases que denotavam dor e inconformismo, Nenhum reconhecimento, nenhuma explicação..., ... dois anos de sacrifícios..., ... toda uma dedicação lançada por terra..., e por aí afora.
Eu, que sempre o vira como um animal intrépido pelo movimento brusco dos gestos, pela impostação sempre exagerada da fala, agora o via como um porco-espinho, encafuado nas sombras de sua efetiva pequenez. Busquei confortá-lo, convidando-o para tomar uma bebida em meu apartamento, mas nem aceitou, nem refugou, conseguiu apenas menear a cabeça, ... foi o que ela fez, me abandonar...
Repetia a frase, alternando-a com pequenas modificações, mas sempre no propósito de se colocar como uma vítima indefesa. Imaginei-o representando ali um papel que jamais representara em suas apresentações mambembes pelas esquinas da cidade. Quando eu começava a ganhar coragem para dizer-lhe isso, ele se cansou de se lamentar, pediu licença e avançou, arrastando os pés. Outra saída patética na vida. Eis o Haroldo, um ator sem recursos, tíbio no convívio com seus semelhantes, isolado pelo arcabouço velhusco de idéias.
Afastei-me o suficiente para que avançasse pelo saguão e tomasse o elevador. Procurei me despedir, Até mais, Haroldo, mas as palavras, se o alcançaram, ficaram sem resposta. Estava diante de um desditoso precipício, levando-me a crer que saltaria em seu interior, sem chegar a conclusão alguma. Sêde assim, infiel em seus desígnios, e caireis nas graças do pior infortúnio, como certa vez esconjurou o marquês de Sade em um de seus devaneios. Nada me pareceu mais adequado para o desconcertado Haroldo.
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