28 agosto 2010

Dos rumores e silêncios midiáticos...

Orlando Barone, esse contundente jornalista argentino que aprendi a admirar, tão sensível para captar a realidade e tão inventivo para descrevê-la com elegância literária, comentou certa vez em um programa de tevê que não entendia seus colegas do Clarín: são jornalistas que recebem prêmios internacionais por suas investigações, e não são capazes de identificar os 'manejos espurios' produzidos no jornal que trabalham... o ilícito jornalístico transformado em lícito...

O que significa dizer, além de uma moral torpe que compromete sua função social, esse jornalismo de esgoto tristemente disseminado pelos grandes veículos de comunicação é estimulado por premiações que não traduzem nada, a não ser a sórdida camaradagem de uma ação entre amigos...

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Wendy Guerra, uma dessas escritoras cubanas com cara de Miami e que passou pela Flip deste ano, diz sentir-se uma escritora invisível em seu país, segregada pela imprensa, pelas autoridades, pela população... pobrezinha.

Pois foi que descobriu o doce sabor do estrelato (passageiro), proporcionado por uma mídia receptiva a suas verdades. Só não faz ideia (talvez nem esteja preocupada com isso) que esse circuito que repercute seus caprichos não lhe apresentará o descaso (e a invisibilidade) que muitos de nossos significativos escritores são submetidos...

Ou seja, não é uma questão de achincalhar o Fidel e denunciar Cuba, tolinha!...

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Vários desses significativos escritores eu conheci nos saraus periféricos de São Paulo, e cujos livros produzidos de modo artesanal revisito de tempos em tempos... Poetas com 'P' maiúsculo, que permanecerão incógnitos nos guetos, esfalfando-se para levar o sabor dos versos e as surpresas do imaginário poético às crianças e aos jovens menos afortunados...
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São esses significativos escritores os cidadãos anônimos, verdadeiramente imprescindíveis...

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Na panificadora em que tomo o café da manhã, substituíram o belo painel fotográfico que enunciava a singeleza da cidade antiga, por aparelhos de tevê sintonizados silenciosamente em canais diferentes...
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Da serena apreciação subjetiva, para o aprisionamento à torrente sem fim... serpiginosa, sensabor, segmentada... Imagens fortuitas, que nada oferecem a não ser fúteis fragmentos descontextualizados...
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Ainda os desdobramentos do encontro de blogueiros, ocorrido aqui em São Paulo, na semana passada. Um acontecimento marcante, que durante três dias reuniu cerca de 300 obstinados formadores de opinião da blogosfera, alguns dos quais tenho acompanhado diariamente.

Não vemos apenas o surgimento de um novo conceito no modo de fazer jornalismo, mas sobretudo uma nova relação emissor-receptor, marcada pela horizontalidade sem hierarquia, pelo compartilhamento em rede de informações e conhecimentos, pautados por múltiplos significados e abrangências...

E de outra parte, a saudável liquefação do poder e da arrogância da mídia hegemônica...

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Uma breve sentença destacada da entrevista de Noam Chomsky ao jornalista Luiz Ángel Murcia, da revista colombiana Semana'Desde 1967, o território palestino foi ocupado e isso fez da faixa de Gaza a maior prisão ao ar livre do mundo, onde a única coisa que resta a fazer é morrer'.

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E não é que deixaram de explorar o caso Bruno!...

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10 agosto 2010

Agonias de um passado (2)



Estamos dia após dia vivendo em uma fornalha cada vez mais aquecida, hoje tivemos mais de 37o.C, um sol causticante, um calor que não estimula a caminhar pelas ruas. Prossigo olhando para minhas tarefas urgentes e não consigo concentrar-me para adiantá-las. Pergunto-me a cada dia se trabalho com um cadáver que não me trará qualquer benefício... E por cima, essa crise pestilenta, que os entendidos atribuem às reformas não feitas. Então (os desdobramentos da tragédia), o mercado que passa a desacreditar na saúde da economia do país, que leva os investidores/especuladores a baterem suas asinhas para longe, e que acarreta na classificação de país sem credibilidade... E por aí vai, a loucura diária das bolsas e a tensão no congresso pela votação de mais impostos e contribuições. 

O dólar que não para de se valorizar, a saída (sangria) de divisas que não estanca, as montadoras no pique declarando demissões e aumentando os preços dos automóveis, FHC aparecendo sorridente e dizendo que 'não irá permitir'... (...) um presidente inepto, com uma base política corrupta e oportunista, como acreditar em verdadeiras reformas? Há muita informação cruel sendo empurrada para baixo do tapete, em prol da necessidade em se estabilizar a economia. Clóvis Rossi apenas tocou no ponto nevrálgico ao alinhavar crises que chegaram e quebraram economias tão distintas, e que pouco antes eram louvadas como exemplos pela mídia internacional. E conclui: 'Aí, de duas uma: ou pouca gente entende alguma coisa de economia ou há algo de fenomenalmente errado com o jogo econômico global, a ponto de levar para o buraco países tão diferentes em quase tudo e de gerar uma crise após a outra'.

Talvez esse calor infernal seja o terrível prenúncio de que este ano será um sufoco. Sofremos muito ao longo desses meses, sem muitas esperanças. Cortes, ajustes, enxugamento, impostos novos, loucura esses tempos neoliberais. Claro, para nós da periferia, porque os donos do cassino batem recordes seguidos de produtividade, onde os sorrisos tornam-se manifestação de escárnio. Eles não precisam mais brandir o big stick para nosotros, pois estamos mais do que nunca de joelhos.
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(in Diários, quinta-feira, 21 de janeiro de 1999)



08 agosto 2010

Agonias de um passado (1)



Esta crise sepulta de uma vez a bobagem de que marchávamos celeremente para o 'primeiro mundo'. A situação da saúde pública é falimentar e a educação agoniza dolorosamente na UTI. Em vez de investimentos urgentes e necessários, são feitos cortes para honrarmos nossa dívida externa. Agora, com a momentânea desvalorização de 30% da moeda, surge no horizonte a ameaça da inflação. As hostes governamentais indicam 6 a 7% no ano, mas já ouvi de uma jornalista da área econômica que ela atingirá no mínimo 10%. Qualquer uma das previsões não deixam de ser sombrias num país cujo salário mínimo não chega a 100 dólares mensais e cujos índices de desemprego crescem sem parar. Aí está o resultado de se apostar irresponsavelmente numa abertura total da economia e de se estimular a entrada em massa de capital especulativo. Agora ele sai, como se fosse uma debandada descontrolada (...). Pois é preciso que se faça um balanço e que se diga claramente à população (o que não acontece) as ações insípidas do passado e as perspectivas no horizonte próximo (...).

A verdade é que vendemos nosso patrimônio a preço de banana, ficamos sem nada e ainda devemos os tubos. Como se não bastasse, estamos desde 1997 como a 'bola da vez', terminologia irônica que mais ou menos significa que somos os próximos a mergulhar no abismo de uma crise econômica insolúvel. Para quem estava indo tão bem, às portas do primeiro mundo, nada mais decepcionante. E Lula foi estigmatizado como o demo, o sinônimo do caos, idéia mais ou menos estimulada por uma mídia cada vez mais disforme em seus princípios éticos. Duro mesmo é você abrir os jornais, ou assistir aos noticiários de tevê e deparar com os índices cada vez mais auspiciosos da economia dos EUA, uma ilha de sossego e bem estar no mundo conturbado de hoje. O último tapa na cara que recebi foi acompanhar o Bill Clinton decidir um aumento nos investimentos em educação e na assistência previdenciária aos idosos. (...) além de sermos obrigados a presenciar em outro país as melhorias básicas que desejamos para o nosso, ainda fica a certeza de que estamos financiando essas melhorias... (...)

(...)
Subtítulo do Fortune Américas, publicado como encarte no Estadão em 2 de janeiro: 'Complô contra as economias emergentes?'. No final a matéria, por si só um ensaio jocoso sobre a desgraça mundial, admite que 'um plano muito maior de um grupo de operadores financeiros que queriam enriquecer da maneira mais rápida possível', pode, enfim, ter de fato ocorrido. Ou, cá entre nós, pode ainda estar em andamento".

(in Diários, segunda-feira, 18 de janeiro de 1999)