24 maio 2016

Rompendo com a manipulação

Indolência, da série Estranhos Poderes

A transcrição do áudio entre o ministro interino do Planejamento, Romero Jucá e um ilustre desconhecido, Sérgio Machado, divulgado ontem pela Folha de SP apenas comprova aquilo que todo cidadão politicamente informado sabia, que todo o processo de impeachment avançou consolidado por desejos escusos oriundo de um amplo arco de interesses, que vão das corporações midiáticas, passa pelo empresariado, alcança o Supremo Tribunal Federal e termina no Congresso Nacional. 

Todo o esforço de nós, brasileiros atarantados com a velocidade dos fatos, foi o de entender minimamente onde e como se encaixavam as peças. Em abril de 1964 o golpe ultrapassou os militares, envolvendo empresários e o apoio de políticos da estirpe de Lacerda, Magalhães e Adhemar. Desta vez, o golpe não ganhou força a partir das casernas, mas de um discurso emaranhado e construído nos gabinetes de políticos gananciosos e ameaçados - as duas vertentes juntas e misturadas - acobertados por um ideário vagamente liberal e pela ainda poderosa estrutura da mídia corporativa, ça veut dire, capitaneadas pelas organizações Globo.


O sagrado pato liberal da Fiesp foi apenas um jogo de cena, para entreter centenas de milhares de ignorantes políticos, confusamente assumidos como 'democratas contra a corrupção', que em um ascenso significativo ao longo de 2015, aquecendo a temperatura política e legitimando o avanço do golpe constitucional, tudo muito bem explorado por manchetes e noticiários, por articulistas e instituições tendenciosas, sob um confuso ideário pretensamente liberal.


O áudio, ocorrido em março, apenas agora é dado a conhecer à sociedade civil. Quantos outros áudios estarão guardados ou arquivados nas gavetas ou computadores de gente marcada por atos criminosos, impossibilitada judicialmente? Quantos dessa gente estarão desfrutando de cargos nesse governo mambembe que veio combater a corrupção e dar um rumo à economia? Quantos desses liberais de meia pataca, em nome de deus e de seu latifúndio, ousarão ainda descrever seus projetos pessoais para o nosso Brasil? Quantas mentiras mais teremos de ouvir para se justificar o golpe constitucional? 


Abre-se uma possibilidade da sociedade civil questionar vigorosamente esse estado de coisas mais parecido a um roteiro da Armada Brancaleone, ganhando de modo mais decidido as ruas, os espaços públicos, manifestando sua indignação. Mais uma vez parece ser o que nos resta, manifestar com força e determinação, seja nos breves escrachos contra golpistas nos aeroportos, em frente a suas casas, como também, e principalmente, nas grandes concentrações populares, sob a cantoria saborosa da juventude organizada. 


Há tempos não sentia o desejo vital pela escritura e pela docência. Escrever aqui, nas redes sociais, atuar na sala de aula juntamente com os educandos, e dessa forma denunciar de modo irredutível a grande canalhice que pretende se instalar, e que nos paralisa a todos pela indecência ética. Assim restabeleço o prazer da vida, conectado integralmente com os anseios da sociedade ao qual pertenço. O que me parecia longínquo e definitivamente restrito ao conhecimento histórico, o golpe de estado - e chamemos sem rodeios assim! - retorna sob um processo vil, desqualificado, conduzido por párias sem a menor habilidade para gestão, a não ser de seus míseros interesses. 


Por esta razão a luta agora se apresenta mais convidativa, inquestionável, pela transparência dos objetivos em jogo, mas principalmente pela manutenção da legalidade constitucional. Se a corrupção e a sonegação - de modo especial a dos mais poderosos, não nos esqueçamos - devem ser combatidas, que sejam sob os preceitos da Carta Magna.



23 maio 2016

Sobre Ideologia e Propaganda



Recuperei das estantes da casa de meus pais um livro adquirido há mais de 35 anos, ainda no tempo da abertura política, sobre a expansão ideológica de Tio Sam em nossa América Latina. Ficou esquecido esses anos todos, e agora talvez imbuído do espírito de luta e dos ares revolucionários, o retomo em um momento onde o tema volta fortemente à tona, considerando a situação política de ruptura constitucional e as suspeições de espionagem da NSA estadunidense no governo Dilma e em empresas brasileiras como a Petrobrás.

Há uma boa análise da guerra psicológica promovida pelos EUA, que se estende ao longo do século XX abrangendo os diversos golpes bem-sucedidos no continente, Guatemala, Chile, Uruguai, Peru, e o que fracassou em Cuba. Aliás Cuba é a menina dos olhos do trabalho de Katchaturov, então o diretor da Agência de Notícias Novosti e que certamente desfrutava de boas fontes de informação da inteligência soviética, debatendo a ação ideológica de órgãos específicos, como por exemplo a agência de informações dos EUA, a USIA.

Afora os momentos de exaltação a Lênin, e outros como a acusação a Solzenitsin que denunciava os gulaks soviéticos, o livro, traduzido direto do russo por Anita Leocádia e publicado por Ênio Silveira, traz boas análises, nenhuma devidamente aprofundada, mesmo quando traz um tema promissor, como a revista de costumes Reader Digest, que teve grande penetração em toda a América Latina e serviu para nos transplantar o 'american way of life'. Inclui na análise outros veículos de comunicação de massa, como televisão, rádio e imprensa escrita.

Também aborda os quadrinhos, como as críticas de Dorfman e Mattelart sobre os personagens de Walt Disney, "(...) utiliza apenas aqueles elementos das qualidades naturais da criança que permitem mistificar o mundo das crianças (...)", e o conjunto de outras publicações, referentes a histórias que se dedicam majoritariamente a crimes, violências e horrores". De um modo geral, pipocam na publicação informações embasadas em autores pouco conhecidos, como o pesquisador costa-riquenho E. Mora ou o jornalista R. Silva Espejo, do El Mercúrio.

O ponto interessante da obra é estudarmos o poder de penetração da propaganda dos EUA a partir de fora, de um autor que demarca o alcance pernicioso do imperialismo estadunidense. Em trechos bem escritos e documentados, como a parte do histórico dos golpes latino-americanos, é possível despertar o leitor para novos pontos de vista da questão, o que torna a leitura promissora, mas o estilo morno do padrão narrativo soviético prevalece na obra e entorpece a expectativa do leitor.   

Abaixo, um dos bons trechos da obra, em que Katchaturov aborda a ação imperialista contra o governo peruano de Velasco Alvarado.

"A campanha antiperuana desencadeada pelo imperialismo concentrou o seu fogo contra o 'estrangulamento da liberdade de palavra' como prova do caráter 'antidemocrático' do regime revolucionário. Na realidade, a propaganda imperialista perseguia os seguintes objetivos fundamentais: o descrédito das transformações antiimperialistas e antioligárquicas, realizadas durante a primeira etapa do proesso revolucionário, assim como da política externa independente do Peru (...)
Serviram de canais para a propaganda subversiva antiperuana os órgãos de informação de massas dos EUA, dos regimes latino-americanos de direita, assim como a imprensa reacionária do Peru. A partir de meados de 1974, após a expropriação dos jornais, a reação passou a utilizar os jornalistas que neles trabalhavam - tanto os de direita, como os de ultra-esquerda - para fazer uma crítica formalmente 'construtiva' contra o governo. 
(...)
A propaganda imperialista utilizou o regime chileno como fonte de inspiração para a campanha de calúnias contra o Peru. Quando da participação da URSS na construção de um complexo de industrialização de peixe no Peru, a imprensa sob controle da junta chilena, no início de 1974, apelou para uma falsificação, segundo a qual estariam sendo 'construídas instalações para o lançamento de foguetes' e o Peru estaria sendo transformado no 'baluarte do marxismo no continente'. (...)
(...)
O ponto culminante da 'guerra psicológica' contra o governo de J. Velasco Alvarado foi o pronunciamento contra-revolucionário de fevereiro de 1975. No dia 3 de fevereiro em Lima, teve início uma greve de policiais, que a reação utilizou para a organização posterior de ações armadas. Organizaram as provocações a CIA, a embaixada dos EUA, os agentes da IPC, espiões chilenos, os partidos políticos reacionários do Peru e os grupos esquerdistas*, assim como os serviços de informação do Ocidente, principalmente dos EUA. (...)"


* curioso observar o termo 'grupos esquerdistas' como facções não revolucionárias, pertencentes à oposição.  


(K.A.Katchaturov, A Expansão Ideológica dos EUA na América Latina - Doutrinas, formas e métodos de Propaganda dos EUA, Ed. Civilização Brasileira, 1980).


18 maio 2016

Fora Temer - O Golpe nas ruas não passará!


No princípio da tarde de domingo, um punhado de manifestantes se juntavam na praça do ciclista, no final da avenida Paulista, mas que logo se tornaram milhares, a descer pela Consolação, em repúdio ao golpe, com destaque especial ao impostor Temer, comandada por uma juventude animada, que ocupa e empolga.

A nota lamentável foi já à noite, onde um grupo residual de jovens terminava o ato na Paulista e quando já se dispersava, foi duramente atacado por PMs com bombas de gás lacrimogênio, provocando correria entre os transeuntes que circulavam pelo local. 

Uma atitude agressiva, descabida, que mostra como será o diálogo nestes tempos tão sombrios de nossa vida política.

Abaixo, nosso registro da passeata.

















(Obs.: Imagens republicadas, 30.06.2017)





15 maio 2016

Realismos paralelos - Manuel Scorza

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Em meio ao desconsolo político, o alento da literatura latino-americana. Sempre me pareceu ser essa a função do nosso realismo maravilhoso, nos redimir. 

Dela sigo me alimentando para aqui denunciar os desatinos e malfeitos do Impostor Temer e seus Asseclas fanfarrões, eficientes na prática do discurso efêmero.

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"(...) Cavalgaram meses por montes e vale, sem sede nem fadiga, até que encontraram um caminho de ferradura que levava à província, baixaram, atravessaram a ponte, inundaram a praça. Vendo aquela multidão, os guardas-civis fugiram espavoridos. A multidão atravessou a praça e derrubou violentamente as portas azuis da casa do Dr. Montenegro. Pálidos fugiam os maiorais, o próprio doutor escapou de peça em peça, e foi perseguido através de um labirinto de salões imensos, uns cobertos de neve, outros enclausurados pela selva, sempre cantando o apanharam e trouxeram para a praça. Eram as três da manhã, mas um sol, um diamantino sol, ardia. Os beleguins chamaram com cornetas todos os homens e animais da província para julgarem o Dr. Montenegro. O Beleguim-mor vestiu-se de branco e perguntou: 'Há alguém que não tenha sido insultado por este homem?' Ninguém se levantou. 'Perdoa-me, não farei mais', soluçou o terno preto. O Beleguim solicitou uma declaração dos cachorros. 'Há algum cachorro que não tenha recebido um pontapé deste homem?'. Os cães imobilizaram os rabos. O Beleguim insistiu: 'Há algum gato que não tenha sido escaldado por este homem?'. Os velozes pássaros, as alegres borboletas, os vivíssimos tico-ticos e as sonolentas cutias deram testemunho. Ninguém perdoou o doutor. Montaram-no num burro e o expulsaram da província, entre músicas e foguetes".

(Trecho do romance Bom dia para os defuntos (Redoble por Rancas), de Manuel Scorza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. Trad. Hamílcar de Garcia).



12 maio 2016

A montanha pariu um rato, ou, A propósito do impostor Temer


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“(...) Algo aqui se anima e se remexe... Suavemente, deixo cair o braço ao longo do corpo, com a mão encolhida como uma colher. E o milagre se produz. Pelo túnel da manga, desce uma migalha de vida. Levanto o braço e estendo a palma triunfal.

Suspiro e a multidão suspira comigo. Sem me dar conta, eu mesmo dou o sinal do aplauso e a ovação não se faz esperar. Rapidamente se organiza um desfile assombroso ante o rato recém-nascido. Os entendidos se aproximam e olham por todos os lados, certificam-se de que respira e se mexe, nunca viram nada igual e me felicitam de todo o coração. 

Mal se distanciam uns passos e já começam as objeções. Duvidam, levantam os ombros e balançam a cabeça. Houve tramoia? É um rato de verdade? Para me tranquilizar, alguns entusiastas planejam levar-me em seus ombros, mas não passam disso. 

O público em geral vai se dispersando pouco a pouco. Extenuado pelo esforço e a ponto de ficar sozinho, estou disposto a ceder a criatura ao primeiro que me peça.”

(Trecho do conto Parturient Montes, de Juan José Arreola)



07 maio 2016

Oposição trabalhadora a Macri


Diego Rivera, Tierra y Libertad


No Primeiro de Maio, a mobilização conjunta das centrais sindicais, CGT e CTA em Buenos Aires, ainda que convenientemente ignorada pela mídia corporativa brasileira, reuniu mais de 300 mil pessoas no cruzamento da av. Independência com Paseo Colón. Lá, o projeto de ajuste neoliberal já está em marcha, com seus aumentos tarifários e demissões massivas. Luz, gás (fundamental para a calefação), alimentos (Victor, um trabalhador, me contou não comer carne há mais de 100 dias) tiveram majorações pesadas, com reflexos na inflação.


Em defesa dos direitos trabalhistas, os dirigentes sindicais se revezaram nos discursos e Hugo Moyano, a quem não se pode definir como um líder peronista, pontuou ao final como se dá o estado de ânimo das coisas: “Quien se ponga enfrente de los trabajadores lo vamos a enfrentar. Estamos preparados para pelear hasta las últimas consecuencias”.

1 de Mayo (1964), Ricardo Carpani




Estratos despudorados do golpismo

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A sessão adentrava a madrugada de 2 de abril de 1964, quando o então presidente Auro de Moura Andrade pronunciou o fatídico discurso em que declarava de modo precipitado e bem de acordo com o movimento golpista, a vacância da presidência da República (Jango havia se deslocado para Porto Alegre).
Em meio ao rebuliço de vozes, ouve-se Tancredo proferir um sonoro "Canalha", e outros deputados gritavam "Golpista, golpista". É quando um deles, Rogê Ferreira rompe o cordão de isolamento e dispara duas cusparadas em Auro Andrade. Nas palavras de Almino Afonso, então ministro do Trabalho de Jango, aquelas foram "duas cusparadas cívicas".
Na noitada golpista versão 2016, as 'cusparadas cívicas" ressurgiram, devidamente aplicadas. (sobre o gesto cívico do deputado Jean Wyllys contra Jair Bolsonaro).  
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A mídia estrangeira constata o óbvio muito tarde, e de maneira lamentavelmente tímida. O espírito de corpo impediu que a denúncia ocorresse há muito mais tempo. 
A mídia corporativa brasileira não foi um simples caso de desinformação, mas a vanguarda do golpismo pós-moderno, asséptica, silenciosa, inconsequente.
Assim, é mais fácil dizer que não temos mídia.
Sua função se restringiu a legitimar gente da laia de Temer, Wellington Franco, Aécio Neves, Eduardo Cunha. Para o infortúnio da sociedade, conseguiu ultrapassar os limites despudorados de um Rupert Murdoch e deixará o legado da farsa e da hipocrisia, a dizer o mínimo, devidamente registrado nos anais da História. 
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"À noite (31 de março de 1964), em presença de alguns ministros, Goulart recebeu um telefonema do general Amaury Kruel, comandante do II Exército, que se ofereceu para servir de mediador (da crise) e impôs, como condições, o fechamento do CGT, da UNE e outras organizações populares (...). Em seguida, ao perceber o tom de ultimato, passou a tratar Kruel cerimoniosamente, dizendo-lhe com rispidez: 'General, eu não abandono os meus amigos. (...) Prefiro ficar com as minhas origens. O senhor que fique com as suas convicções. Ponha as tropas na rua e traia abertamente'. E desligou o telefone". 
(O governo João Goulart, Moniz Bandeira, p.338)
A traição, alinhada à extrapolação das funções de cargo e em seus vários formatos, é uma atitude corriqueira nos movimentos golpistas. 

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A tragédia mexicana, que para nós é apresentada como o sucesso de uma 'economia dinâmica e integrada'. Há dois anos, antes das eleições de 2014, compartilhava este artigo de José Luis Fiori, que já denunciava o cerne das políticas neoliberais propostas por Aécio e seu PSDB.
Agora essas políticas pretendem chegar com uma força ainda mais brutal, implantadas por Temer e sua trupe de golpistas, pela necessidade de correr contra o tempo e de satisfazer o nefasto arco de alianças composto por hienas corruptas. Muito pior do que o México, a tal da 'mão invisível do mercado' se mostra horrorosamente visível em sua composição ideológica, evidenciando o que há de pior e mais superado na política brasileira.
Como diz Fiori, "o elogio do México deve ser considerado um caso de má fé, fundamentalismo ideológico, ou estratégia internacional? As três coisas ao mesmo tempo".