28 julho 2010

Futilidade e repulsa

Calle Florida


Revista dominical .dom, oferecida como encarte do jornal oficialista Tiempo. Matéria de capa: El club de los lindos. Discorre sobre um sítio na internet chamado Beautiful People.com e congrega 600 mil belos de 190 países.

Não é obra de um cara, pelo menos no que diz respeito à gestão da coisa. Um tal de Robert Hintze o fundou e hoje são os próprios membros do clube que têm o poder de aceitar ou rechaçar novos integrantes. Ano passado foram rejeitados um milhão e oitocentos mil pretendentes!... Palavras do tal Hintze: "Todos, incluidos os feios, querem trazer filhos belos ao mundo e não poderíamos ser tão egoístas para não compartilhar nossos atrativos genes".
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Significa dizer que os genes dos mais lindos podem ser encontrados nos bancos de óvulos e espermas. E explica: "Não é um negócio. Ninguém comercializa seu esperma ou seus óvulos (...) Simplesmente o que fazemos é facilitar o contato entre usuários que estão dispostos a converter-se em doadores das redes de bancos de fertilidade em todo o planeta. Nós emprestamos a plataforma para que se conheçam doadores e futuros pais"... e conclui: (...) todos queremos estar perto de alguém que seja atrativo. Sempre se tem o sonho de pertencer a um entorno de gente linda. A atração que exerce a beleza é uma força poderosa neste mundo".
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E sabem como os participantes desse sítio classificam os pretendentes? Atribuindo-lhes notas. As fotos são enviadas ao endereço virtual e avaliadas por cada integrante do club. Por exemplo, Tincho Landin, argentino, recebeu 5,3; Adriana, com ares de Catherine Funlop, ganhou 5,36. E um tal Ricky Rich, que posou com camisa aberta e um ar de Brad Pitt, mereceu um 8,09...
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A matéria termina com uma citação do Petit Prince, de Saint Exupéry: "O essencial é invisível aos olhos".
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Por ser uma publicação oficialista, ou seja, com uma linha editorial distinta do padrão oligopólico de espetáculo, só posso interpretar a matéria como uma sutil ironia a esse pensamento dominante que, obcecado pelo arco-íris desde que haja um pote de ouro em seu final, é capaz de expressar toda e qualquer bobagem para alcançar a fama, inclusive - como é o caso - reverenciar a futilidade em nome da beleza.
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A prevalência da beleza estética já foi um dia utilizada como requisito para a seleção de uma super-raça. Na modernidade-líquida, a beleza estética se sobrepõe por um estímulo dirigido à produção da boçalidade notável, capaz por si só de gerar notícia, curiosidade e... por algum tempo, parâmetros para a proliferação de um punhado de fúteis vencedores...
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Na modernidade-líquida, a beleza estética se sobrepõe estimulando um conforto artificial que de alguma forma, e por algum tempo, recobre as mazelas reproduzidas nas esquinas da vida.



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27 julho 2010

Victória


(...)
Él te sembró toda la piel de quieros,
y quiero a quiero calentó tu piel,
desabrochó tu soledad por dentro,
de un sólo quiero y de una sola vez.
(...)
(Balada para él, H.Ferrer/A.Piazzolla)

(...) e então Victória toma por opção adentrar o maravilhoso recinto, que está sob o murmúrio soturno das noites mais frias, como imaginava, e contorna uma a uma as mesinhas de fino mármore, estranhamente não mais contida pela timidez ordinária que a impediu por todas as vezes anteriores de tomar essa decisão, de dirigir-se até a figura masculina na mesa do canto, e em seu caminhar vislumbra a luminosidade espargida que rompe o vitral no teto, luz transluzente que insinua uma parte do balcão e os semblantes congelados e mais mesinhas rodeadas com suas cadeiras estofadas, os garçons circulando em seus trajes impecáveis, as bandejas com os cafés em sua brilhância difusa, a elegância morna e soturna que a convida e a faz deslindar os pensamentos nunca tão decididos... as sóbrias colunas e os lustres como grandes pingentes lustrosos que adentram o fog e se imiscuem a um fundo indiscernível, e desse modo, vagamente maravilhada, sabe que deve prosseguir nesse foco de luz que a conduz para a mesa que se aproxima e desvela o homem sentado, o braço esquerdo tombado sobre o colo, o terno escuro e o pañuelo cinza em torno do pescoço, as pernas cruzadas ao lado da toalha de fino algodão que recobre a mesa e que tem a mão direita abandonada na companhia de duas taças vazias, uma garrafa de vinho tinto e de uma única rosa vermelha que se contrapõe pela vivacidade do tom vermelho, em um vasinho esguio e delicado... e quanto mais ela se aproxima, mais ele releva o sorriso gentil, adorno sensível de uma longa espera, mais o espaço ao redor se dissipa em uma opacidade nebulosa, como se tudo mais fosse descartável diante da emoção de um encontro longamente acariciado... e quanto mais atenta aos contornos do homem, mais esse calor de seu peito a engolfá-la e sugerir mil maneiras de expressar a leveza da alma, e deixar-se levar pela circunstância, pelo ambiente de vozes sussurradas, pela sonoridade harmoniosa que se desprende aos bocados do bandoneón imemorial, a arranjar as primeiras notas de um tango que abstrai os pensamentos e abarca os sentidos, e quando o homem levanta-se para recebê-la, parece mais alto do que ela considerava em seus inefáveis lampejos de fantasia, e toma-a pela mão enluvada e oferece a cadeira mais próxima, voltada para o salão, para a espessa fumaça que concentra o longo salão e que os recobre com o olor característico de tabaco, e a enreda na insidiosa teia de um querer supremo, que não oferece escape, porque também não há esse impulso de escapar, mas sim de acudir ao ensejo que a circunstância marcada por tanta leveza decide conjurar... e se é assim, ela se deixa levar porque não há gestos suficientes que a permitam romper com a atração daquele sorriso que parece absorvê-la por uma vida, sem promessas nem escárnio, apenas as mãos que agora se tocam e os corpos, mais próximos e radiantes, e tão mais voltados para as sutilezas do espírito que desvelam, cada qual ocupado com a fisionomia que apetecem, colhidas em fluida paixão... neste momento em que o compasso marcado a enleva com o vigor de uma dança, e conduzida ao centro do salão se deixa assinalar pelos movimentos alternados e envolventes do tango, os passos enlaçados e nunca tão decididos e nunca tão plenamente feliz (...)


18 julho 2010

Matrimonio igualitario

do blog Patria si Colonia no

Mais uma vez o governo de Cristina Kirchner dá um belíssimo exemplo e consegue aprovar no Congresso outra reivindicação de grande importância social, los derechos de matrimonio para todas las personas!

Depois de enfrentar as paralisações ruralistas, o oligopólio midiático, os militares criminosos, agora foi a vez da igreja conservadora e seus porta-vozes. É estimulante ver um governo verdadeiramente popular, que se consolida no avanço das questões sociais (que não me venham com a chancela de populista!...) e do sentido de nação.

É estimulante acompanhar um Mercosul constituído por governos progressistas e voltados para uma decisiva integração política, econômica e cultural de seus povos!


16 julho 2010

Despropósitos


nada mais patético do que ver e ouvir a cantilena de Mônica Waldvogel encapelar-se diante do tema petróleo, e diante de três convidados, em seu programa "entre", na GloboNews, insistir na tecla das escolhas contrárias à tendência mundial ao questionar a opção do governo Lula em dar continuidade à exploração do pré-sal. Toda série de obstáculos foram levantados (a matriz energética poluidora, a exigir altos investimentos e portanto mais cara...; e o perigo de vazamentos sem controle...; e o abandono de outras matrizes energéticas mais limpas...; e... palavras tateando por veredas obscuras, na desesperada elaboração de alguma ideia...) para que os analistas presentes, de algum modo, se convencessem da pauta que ela desejava alinhar... Sim, patético e cansativo de acompanhar...
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depois vejo o comentário de Miriam Leitão, no Globo.com, dizendo da perda do valor de mercado da Petrobrás, com o vazamento no Golfo do México, e arremata, A área de exploração de petróleo em alto mar está em convulsão (...) Todo mundo confia na Petrobrás, mas é preciso ter o princípio da precaução. O que nos garante que algo assim não vai acontecer, agora que estamos indo para o pré-sal? Quão deplorável esse quietismo, que nos condena à sujeição bem comportada dos coadjuvantes da história... apavorante temor que se tenta infundir... em vão... que considere para si as palavras de Lady Macbeth, (...) Mas me envergonho de guardar, tão branco, o coração...
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há que se dizer que ambas as jornalistas, bem subservientes ao estilo padrão global, desenvolveram o tema da manchete de primeira página de O Globo, Europa reduz exploração de petróleo, Brasil acelera. Como é comum à mídia hegemônica e globalizada, o que conta é a submissão aos valores consagrados pelo mercado, e eles não estão de acordo com os anseios de autonomia político-econômica, em um mundo regido por relações multilaterais. Se necessário for, que atrelemos nossos desígnios à dupla Serra e Índio e entreguemos o que resta ao liberalismo falimentar do norte...
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encontro uma resposta à altura, no blog do Brizola Neto, Tijolaço: (...) O que o Globo sugere? Que o Brasil abandone uma riqueza do tamanho do pré-sal como se EUA e Europa não tivessem corrido todos os riscos possíveis para explorá-lo em todos os cantos do mundo? Que os brasileiros fiquem sem todas as possibilidades que o pré-sal oferece em nome de um falso discurso ambiental? Que o país siga o pensamento do vice-Índio, que se declarou contrário à retirada de petróleo abaixo da camada de sal? O que quer verdadeiramente o jornal com este discurso? Entregar a riqueza brasileira?...
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a subserviência não tem limites, e o jornalismo dos veículos dominantes prosseguirá alinhado em um discurso que, na medida do possível, desconstrua o governo Lula e beneficie o candidato sem discurso. Mesmo que para isso seja necessário golpear de morte os interesses da nação...
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12 julho 2010

Sobre espelhos




Como nos informamos, em um mundo que oferece múltiplas alternativas para obter a informação? Se opto pelos diários ou semanários ou canais de tevê hegemônicos, como posso desfrutar com convicção do relato que reproduz o fato? E qual a possibilidade de que este espelho oculte o que parece evidente, ou mostre outra verdade? Uma derradeira indagação: devo acreditar que tanto o embuste como o silêncio possam, de algum modo, contemplar as entrelinhas das notícias veiculadas por esses meios hegemônicos?
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Distorção e decadência, que podem ser compreendidas na crueza de seu significado ao compararmos o que temos aí, vendido como informação, e o que encontramos em muitos blogs e sítios alternativos produzidos por jornalistas independentes, que a partir da análise crítica consubstanciam a chamada mídia social, plataforma digital que oferece amplas alamedas para a circulação e repercussão dos fatos.
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O óleo vazado continuamente no Golfo do México, que se constitui provavelmente na maior catástrofe ecológica de todos os tempos, surge timidamente sob as manchetes da mídia hegemônica, que nos faz engolir o generoso esforço que a poderosa British Petroleum realiza para minimizar a tragédia (me pergunto qual a repercussão desses meios se a responsável pelo crime ambiental fosse a PDVSA venezuelana ou a nossa Petrobrás...). Na interface da mídia social, o assunto é abordado sem restrições por uma rede virtual que se complementa, oferecendo a possibilidade de uma compreensão muito mais próxima da realidade, driblando o perverso jogo de interesses existente nos conglomerados midiáticos.
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No lugar de apresentar um material investigativo sobre o assassinato de jornalistas hondurenhos, mexicanos ou colombianos, o silêncio nefasto do discurso dominante surge como se nada ocorresse... Em vez disso, ele se apraz em repercutir a cantilena da falta de liberdade de expressão na Venezuela ou na Argentina... Por aqui, a suspeita demissão de dois jornalistas (um do programa que apresentava e outro da direção que ocupava) de uma tevê pública (a Cultura) não mereceu qualquer discussão que honrasse a existência da ANJ (Associação Nacional de Jornais). O que liga ambas as demissões é a mesma dupla, os pedágios nas estradas paulistas com seus preços escorchantes e o candidato da oposição, José Serra, com seu poder de defenestração.
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Sem imaginação para a discussão de outros temas, essa mídia hegemônica se une na exploração sensacionalista do caso Bruno, insistindo em uma abordagem tão prolongada quanto desgastante, como se a sociedade brasileira não tivesse outros assuntos relevantes que merecessem uma pauta. Explora-se o fato com uma sórdida obsessão, que só o interesse por audiência, talvez, consiga explicá-la.
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De outra parte, ficamos sabendo apenas pelos sítios de jornalistas alternativos (e graças à investigação inicial do blog Tijoladas do Mosquito, de Hamilton Alexandre) o crime de estupro que três jovens da alta burguesia de Florianópolis cometeram contra uma jovem de 13 anos. Mais tarde uma emissora hegemônica, a rede Record, apresentou cobertura jornalística do fato. Ou seja, as páginas policiais nesse país continuam preenchidas pelos crimes cometidos pela população menos favorecida, no mais das vezes negra, preservando os filhos da aristocracia (no caso, um dos rapazes pertence à família proprietária de um influente conglomerado de comunicação do sul, a RBS).
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Os silêncios e as fantasias não cessam, e por aqui (e até as eleições de outubro) serão alimentados pelos grupos oligopólicos dominantes da mídia. Pergunto, como elaboram e o que nos vendem como discurso? Como acreditar nesse jogo de interesses que normalmente se dissocia dos interesses sociais?, eis as questões que, a meu ver, se colocam. Com o desejo de oferecer uma resposta, reproduzo abaixo o oportuno comentário do escritor e crítico Alejandro Dolina, que obtive no blog Patria SI, Colonia NO:

(...) há que se ter uma saudável desconfiança dos espelhos... crescemos com a crença de que os espelhos devolvem fielmente a imagem de quem se coloca à frente... até que alguma mão malvada começa a fabricar espelhos que deformam, espelhos que não devolvem a verdade, mas a mentira. Então, de manhã ao fazer a barba, o sujeito se vê uma pessoa loira e não morena (...). E ele tem tanta confiança no espelho, que faz essa confiança prevalecer sobre a realidade. Ele que se sabe moreno, que viveu uma vida morena e que vivia entre morenos, se vê loiro no espelho e começa a assumir loiras condutas. Por quê? Porque desde pequeno lhe disseram que os espelhos não mentem. Penso que é chegado o tempo de desconfiar dos espelhos e de pensar que o fabricante de espelhos tem interesses inconfessáveis, que nós não conhecemos (...). Talvez seja melhor olharmos mais a realidade e menos o espelho da realidade, porque esse espelho pode estar tendenciosamente modificado e fraudulento.



09 julho 2010

Citas del cotidiano (3)


Callao, 2010


Repentina a noite que nos encobre, com suas singelezas fugidias que em um primeiro momento se negam, mas que ao final e ao cabo não se furtam em permitir-se, para os que nela encontram um refúgio, ou uma possibilidade de sacralizar as lembranças sonhadoras...

Um pouco mais adiante, o café que permitirá o recolhimento com os desejos, o olhar através das vidraças para pensamento envolto em introspecção... a presença da mulher que não se deixa desvanecer, do olhar a exprimir tantos sentimentos e sentidos para o prosseguimento da vida... a noite que acolhe aflições, que alimenta escrituras errantes... A noite tem falado/nas cadeiras dos bares/de paixões afogadas/de paixões recusadas/de paixões descabidas/de paixões envelhecidas demais...

Mais além, as luzes e o movimento da Corrientes, a saída dos teatros, as livrarias convidativas, o café que remete aos sonhos dessas noites de inverno... a Corrientes, porto seguro de tantos regressos, cúmplice de soturnos segredos, o tango a descrever seus meandros... Tu alegria es tristeza/y el dolor de la espera/te atraviesa.../Y con pálida luz/vivís llorando tus tristezas...



Citas del cotidiano (2)



Ganho as ruas e de golpe a orquestração natural do hormigueo popular me aborda, solicitando-me participar. Na entrada da praça, pago o saquinho de pipocas com o dinheiro exato, Gracias, muy amable, caballero..., e a atenção do velhinho é logo assediada por duas meninas que fazem seus pedidos. A tarde cai sobre a cidade, é tempo de ganhar o espaço público, despedir-se do domingo generoso, de céu azul e um friozinho residual, que estimula o passeio e os encontros. Cruzo com os garotos jogando futebol, reminiscência lúdica de minha infância, os casais dividindo os bancos, a atualizar confidências e esperanças, uma jovem ali, ocupando o gramado para a sua conversa privada ao celular, outros lá e acolá em pequenos grupos, sorvendo o mate, famílias caminhando com seus cães, crianças esvaziando seus pacotinhos de maíz para as pombas... Vejo duas senhoras elegantes que me ultrapassam, imersas em suas palavras, e adentram a confiteria da esquina. Penso também em meu cortado doble y tostado de miga, e prosseguir com a escritura...

Eis a Willoughby moderna, a parada em um lugar essencial para retomar-se os fundamentos da vida. Ali não há pressa, não há conflitos, as pessoas desejam o que demonstram, estar bem consigo mesmas, animadas ou serenas, a compartilhar com o outro.


08 julho 2010

Citas del cotidiano (1)



... o olhar que não se estende, para a frente, para trás, não mais se aflige, volta-se para as questões ao redor, essa proximidade que não exclui o mundo, mas já não faz diferença... y ese despliege largo, indeseable solitud... será possível sobreviver, al borde de todas las memorias y del viento... atenta ao desenlace imediato, o cálculo das contas, o próximo café, a narrativa insólita de Lugones, os passos que se aproximam... tanto melhor que os insuperáveis dilemas já não se acerquem como antes, as angústias solenes, ou esperanças estancadas no horizonte... o que se tem são as sutís imperfeições, Alfredo querido, los sueños pasados, las charlas del crepúsculo que no se marchan y siguen abrochando... e por esses sons distantes, Por una cabeza/todas las locuras/su boca que besa/borra la tristeza/calma la amargura... ... qué importa perderme/mil veces la vida/para qué vivir...
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