22 junho 2022

O que aparentemente nos resta - entrevista




Nesta quinta-feira, às 15h, terei o prazer de falar um pouco de meu mais recente livro, O que aparentemente nos resta, em lançamento pela editora Kotter. 

A entrevista ocorre no programa Viva Literatura, conduzido por Daniel Osiecki. 

Fica aqui o convite a todos para que participem.

(link de acesso: https://youtu.be/bdWxAz7b9jI)



20 junho 2022

Sobre a natureza criminosa


São Paulo ao anoitecer

Ah como são alvissareiras estas manhãs de sol aberto e generoso! Além de afastar o frio, oferecem perspectivas de jornadas calorosas. Isso parece pouco, mas foi um dos raros alentos que me animou ao longo destes últimos seis anos, ver o dia raiar ensolarado! E pouco mais de alegria, como minhas escrituras e o amor vivido com Moniquinha. Situações que despontaram com regularidade, amenizando o descalabro desse desgoverno que nos enfiou em uma sepultura úmida e escura. 

Dia 15 foram encontrados os corpos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, cruelmente assassinados no vale do Javari, Amazônia brasileira. Algum capitão do mato a mando de garimpeiros, madeireiros e pescadores ilegais da região fez o serviço, afundando depois a embarcação em que os dois estavam. As autoridades passaram a se empenhar nas buscas apenas depois do clamor internacional, o que criou uma pressão insustentável para evitar a ocultação do crime. 

O patético ex-capitão que ocupa a presidência deste país, havia atribuído o desaparecimento de ambos à "uma aventura que não é recomendável que se faça", simples assim. Fico pensando com meus botões se uma aventura recomendável é ameaçar constantemente a democracia brasileira com bravatas. Deixa o depravado, sempre consciente de suas parvoíces, escapar a natureza criminosa que condena diariamente seu desgoverno.

E penso diariamente nesse estado de coisas: a que ponto um cidadão é capaz de chegar para cumprir um desígnio maléfico, a serviço de um crápula, ou de uma ideologia? O que o induz a agir com tamanha e descomunal violência contra outro cidadão? Que vozes se permite ouvir para vandalizar, quebrantar, assassinar e como é possível depois viver com a consciência permanente da ação criminosa? Qual a paz que encontra? Qual o consolo que o acalenta? Como consegue voltar a conviver com os sentimentos humanos no convívio social?



15 junho 2022

O mamarracho das classes dominantes


As caveiras de Eisenstein em A Linha Geral

 

Os bandidos flibusteiros e seu capitalismo espoliativo abocanharam, em leilão, a Eletrobras. Conseguiram. Quem se favorece nesse sistema? A oligarquia nacional, já há tempos aliada a uma oligarquia internacional, faz avançar esse capitalismo devorador, ou em outras palavras, o saqueio sem trégua, sem a menor preocupação com uma economia política sustentável. Prestam-se, no momento, com a inestimável ajuda desse capitãozinho de meia pataca, que nunca passou de um cipayo a serviço dos devoradores transnacionais e seu rentismo indecente. 

Já não há mais a preocupação de se convencer politicamente as massas sobre as vantagens dessa ou daquela privatização alucinada, a preço de banana. O que prevalece são as regras dessa oligarquia para toda uma população adoecida e esfomeada. E a ponta de lança da ordem neoliberal é simplesmente, descaradamente, cuidar de seus interesses – rules based international order – que se pronuncia, hoje em dia, da maneira mais perversa no sul global (vale a leitura de Michel Hudson, O destino da civilização). Para tanto, sempre será inestimável os serviços de desgovernantes como o capitão de meia pataca.

É importante, mais do que nunca e de uma vez por todas, compreender que o fastígio do pensamento liberal – o chamado livre mercado que se autorregula – à maneira da escola de Economia de Chicago, se deu, nos Estados Unidos pelo controle (absorção ideológica) da imprensa, do aparato de segurança do Estado e, claro, do sistema escolar, eliminando-se disciplinas (e debates) do pensamento econômico e da história econômica. Aqui pertinho, vimos isso acontecer de maneira mais brutal ao longo do ciclo de ditaduras – Uruguai, Chile, Argentina, Bolívia, Brasil – com a implantação do malfadado Plano Condor.


mamarracho (do Google Tradutor): 1) persona que viste o se comporta de forma ridícula, generalmente para hacer reír a otros, como também; 2) persona que carece de formalidad y compostura y no merece ser tomada en serio ni ser ser tratada con respeto, ou uma terceira possibilidade, 3) figura, adorno u otra cosa que resulta fea, mal hecha y de ningún valor. O patético capitão que nos desgoverna cabe em qualquer das três definições, ou em todas elas. 



07 junho 2022

O estado da política




Há três anos, quando amargávamos a terrível experiência do desgoverno atual, que avançava paulatina e criminosamente, sobre os fundamentos do estado democrático de direito que ainda sobreviviam, na Argentina vivia-se a graça da reconquista do poder e a esperança de um governo de reconstrução social. Emulava-se o espírito de uma vitória decisiva, em que as virtudes do projeto nacional sepultaria os pequenos neoliberais a mando do mundo financeiro, com suas garras e seu oportunismo. Os anos se passaram e agora vivemos por aqui na antecâmara desse estado de euforia libertadora, que mais além da alegria vivenciada no país vizinho, promete trazer os efeitos similares ao orgulho da vitória dos franceses em 1944 contra o nazismo. De outra parte, a esquerda argentina, ou melhor dito, o peronismo autêntico mais claramente representado hoje pelo kirchnerismo, vive um momento de impasse político, para não dizer de relativa turbulência, ao constatar que as conquistas foram muito tímidas, sob o comando de Alberto Fernandez, abrindo um enorme flanco para que as forças conservadoras se reorganizem e, malgrado sua política de terra arrasada (para os trabalhadores e as classes menos favorecidas) ameacem fortemente vencer as eleições do próximo ano.

Essa gangorra de altos e baixos, que resulta em sucessivas perdas (jamais recuperadas) para o Estado do bem-estar social, expõe suas limitações quando atua no poder - seus representantes eleitos parecem aceitar o mantra liberal da imperiosa necessidade em flertar com os grandes grupos privados, para mais tarde propor oferecer um "grande acordo", traduzido por algumas migalhas como conquistas sociais. Nossa América Latina alimenta esse mantra, do Peru ao Chile, do Uruguai à Argentina. Quando houve alguma recusa nesse comportamento, como nos casos do Equador, Bolívia, Venezuela, a reação dessa burguesia multinacional (e ignara, quanto aos desígnios de uma nação) é brutal. No Brasil, se considerarmos o período da chamada "redemocratização", a partir de 1985, não é difícil perceber como as classes menos favorecidas foram extorquidas com o passar dos anos, com um delicado interregno no período dos governos do PT. Agora, o estado da política nos sugere que recuperaremos - em alguma medida - o poder decisório a partir de outubro, ou novembro, o que poderá ser alvissareiro não apenas para lambermos com mais cuidados e recursos as feridas abertas, como para enviar uma mensagem ao mundo. Ela será mais alta, clara e altiva quanto mais hegemônico for nosso poder.

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Abaixo, um pequeno painel do momento político na Argentina, representado pela estranha ascensão de Milei, um desses políticos que emergem no lodo liberal, e muito bem descrito. O trecho foi retirado do texto de José Luiz Lanao que merece ser lido na íntegra, En la cama con Milei. Neofacismo y sexualidad, publicado na Revista Tecla Eñe, maio de 2022.

(...)
La relación entre fascismo histórico y misoginia explícita, demuestra que las ideas sobre la inferioridad natural de las mujeres es una de las bases de sustentación del pensamiento autoritario y del fascismo social. Se necesita inferiorizar para dominar, porque la justificación de superioridad de ciertos seres humanos sobre otros, se hace en base a características supuestamente naturales. El desprecio a la mujer justifica y legitima su subordinación, subyace a toda forma de dominio, y en parte legitima la violencia como recurso para imponer un orden social imaginario. Para que la cultura del odio progrese es necesario colocar a las personas contra las personas, distorsionar los hechos, atacar la solidaridad, declarar los movimientos de emancipación social como amenazas. 

Así, en la política argentina nos encontramos, sorprendentemente, con un fascismo sin fascistas. Almas que habitan otros cuerpos, que van y vienen, antes de regresar al suyo. Palabras que se han diluido, que han dejado de ser. Eufemismos semánticos que consiguen enmascarar ambientes de lo más “fascistoide”, de enorme pureza, sin que lo parezcan. Así es como Milei se presenta como un chico “libertario”, algo travieso, empecinado en peinarse detrás de una turbina, con unos dientes de leche que hace tiempo que se le han caído. Quien domina el lenguaje domina la realidad. Vamos a pagar muy caro estas vilezas semánticas adornadas de serena frivolidad. Este neofascismo de pandereta se puede convertir en esa gran ola que se gesta lejos de la orilla, donde no alcanza la vista, en medio del mar, y que minutos después acaba por romper en la roca bajo nuestros pies.
(...)