22 setembro 2013

Alberti encontra Neruda


Dentre tantos movimentos sutis e generosos que poderia recordar rapidamente, em um final de noite sem surpresas, me prendo ao encontro entre Rafael Alberti e Pablo Neruda, na única vez em que a longeva amizade marcou um encontro no Chile. Fora longas jornadas percorrendo o sul do país, "a las zonas de los grandes terremotos, donde hay cinco o seis volcanes maravillosos, y al lago Esmeralda, por donde pasaban airosos caballistas que montaban al estilo andaluz". Não foram só os espaços geográficos ou as marcas simbólicas que comoveram Alberti, mas as circunstâncias vividas junto às populações locais, "Recuerdo la emoción de ver durante los mítines a aquellos indios fantásticos, que apenas entendían el castellano, escuchando nuestras palabras, y cómo las madres, a medida que llegaba el frío, con la caída de la tarde, cubrían a sus hijos con ponchos morados".

Em meio às descobertas, aos prazeres, aos contínuos deslocamentos, o tempo para retomar amizades e acrescentar outras. Seria assim, inevitável o encontro com o então candidato Salvador Allende, "un hombre encantador, tierno y afectivo, apasionado por la búsqueda de soluciones reales a los problemas de su país, a las gravísimas cuestiones económicas y sociales". Mais tarde, no calor do informe de sua morte no La Moneda, Alberti escreveu um poema de dor e indignação:

No lo creáis, cubría
su rostro la misma máscara.
La lealtad en la boca,
pero en la mano una bala.
Al fin, los mismos en Chile
que en España.
Ya se acabó. Mas la muerte,
la muere no acaba nada.
Mirad. Han matado a un hombre.
Ciega la mano que mata.
Cayó ayer. Pero su sangre
hoy ya mismo se levanta.  

Talvez o penoso sofrimento por que passou sob a brutalidade da guerra civil o alcançasse quando da perda do amigo. Alberti, neste momento em que escreve, já em plena retomada da democracia do Chile, ressalta a lembrança dos momentos intensos vividos naquele 1946, a elegância do gesto político entre eles, "La figura de Allende, como la de Pablo Neruda, parece levantarse del terror de los años de Pinochet, de la complicidad norteamericana. Pablo, que por medio de un acuerdoamistoso y de interés político había renunciado a presentarse como candidato a la presidencia en favor de Allende". 

Relembra a leitura que Neruda lhe faz de seu poema, Alturas de Machu Picchu, impressionado com a recente visita àquela cidade, ou mais precisamente, com os memoráveis signos de uma grandiosa cultura,


Del aire al aire, como una red vacía,
iba yo entre las calles y la atmósfera, llegando y despidiendo,
en el advenimiento del otoño la moneda extendida
de lashojas, y entre la primavera y las espigas,
lo que el más grande amor, como dentro de un guante
que cae, nos entrega como una larga luna.
   
Rafael Alberti termina o registro de seu memorial, ao dizer da última vez que encontrou Pablo, "fue precisamente en París, una tarde que Louis Aragon había ido a verle, y le llevaba un magnífico poema que le había escrito. Pablo era entonces embajador de Allende, y Aragon sentía por él una admiración enorme". Recorda sobre como recebeu a informação da morte de Neruda, no Chile, "Yo estaba rodando esos días una película junto a la maravillosa actriz Anita Ekberg, y el director me permitió que comenzara a la mañana siguiente el rodaje con la terrible noticia: 'Me acaban de comunicar que en Chile ha muerto, solo, en un sanatorio, asesinado por los militares de Pinochet, mi gran hermano, el inmenso poeta de lengua castellana, Pablo Neruda'. Encerra sua descrição com um gesto de suspensão, delicada interrogação, "Anita Ekberg, espléndida y luminosa, me escuchaba emocionada, sin compreender del todo".
...

Ao concluir a versão final deste relato envolvendo as reminiscências de Rafael Alberti e Pablo Neruda, me dou conta de que se completam exatos quarenta anos da morte do poeta chileno, ocorrida em Santiago, 23.IX.1973.

(trechos extraídos de La Arboleda Perdida 3, quinto libro (1988-1996), Biblioteca Alberti, Alianza Editorial, 2002)


04 setembro 2013

Ternas revelações


Um suave deslize, que a princípio denota as primeiras sensações. Aos poucos, incorporam-se os vagos sentimentos, que transitavam por uma paisagem silente, reavivando os elementos sensórios de um mundo imaginário, muito particular. Passagem indizível, inesperada, precursora dos sinais que esparsamente prenunciam. Por capturas imprecisas, são designadas as qualidades de seus sentimentos, que o embebe em um solícito prazer. Da paisagem abrupta e indefinível, o calor da mulher sempre presente, a lhe sussurrar as mais ternas revelações. 

O espaço noturno que os abraça agora se consubstancia em um movimento de puro desejo. Se deixam permanecer, ao acaso dos segredos, da lascívia dos mundos inconscientes, e não apenas o beijo, mas a queda na profusão sensível do instante profundo, o segundo quase eterno, o regozijo de infinitas abstrações, dos desejos que não despertam nem mesmo quando o pássaro da aurora ensaia seu primeiro canto, em meio ao sonho a dois renovado pelos insondáveis capítulos da vida.