22 abril 2024

Pétalo Nauseabundo, crônicas


O novo livro de crônicas

E eis que já se encontra em pré-venda, junto à Ópera Editorial, e com 20% de desconto, meu segundo volume de crônicas, Pétalo Nauseabundo, no endereço https://operaeditorial.com.br/produto/petalo-nauseabundo/.

Este livro compõe o segundo volume de crônicas, que dá continuidade a O que aparentemente nos resta (Kotter, 2022). Os relatos aqui presentes abordam o período 2020-2021, e a imagem de capa, de meu arquivo pessoal, remete a uma cena urbana de Puerto Vallarta, em minhas andanças pelo México, em 1997. 

No total, são 36 crônicas, com uma apresentação e um posfácio, que sinalizam um período sinistro e devastador para a população brasileira. Tal como descrito em uma delas, "Passamos por um momento tenebroso e muito triste (...) com as políticas de aniquilamento das redes de proteção social, dos direitos trabalhistas, da educação pública". Foi o tempo em que a Covid-19 avançou e ceifou quase 700 mil vidas, sob o olhar condescendente de um desgoverno hipócrita, "que em sua irresponsabilidade cognitiva condenou uma nação ao opróbrio". 

Mas nem sempre prevaleceu o horror: ao longo do livro, desvela-se aqui e ali um olhar mais auspicioso, presente em reflexões sobre o cinema, sobre a literatura, sobre a educação, enfim, sobre a esperança da vida, tal como ela pode e deve ser.

Abaixo, destaco um fragmento de uma crônica:

A noite se faz mais escura que de costume, pois a vejo diante de mim, absoluta, quebrada por um punhado de luzinhas tremeluzentes ao longe. O silêncio da cidade desconhecida não me assusta, não estou cansado ou mesmo deslocado. Não me sinto no meu lugar, e não me esforço em torná-lo, após a superação do estranhamento, simpático. Na verdade, não sei o que faço aqui. Nas inúmeras viagens que realizei por tantas partes, o momento mais ingrato sempre foi a chegada, e o mais triste, a partida, e assim foi em todos os lugares, pequenos, grandes, confusos, atraentes, feios, bonitos. É difícil superar o inesperado na chegada e a amargura da partida. Desta feita, o estranhamento não se desfaz e prolonga-se já como amargura. Sentimentos muito sutis, que vão e veem, sem se incomodar comigo. (...) Há uma brisa que se esgueira pelo quarto, deixando-me serenamente acolhido, absorto em meus pensamentos, isso é um bom sinal. Foi muito fácil chegar até aqui, mas será muito complicado sair, haverá um tempo de espera que parecerá eterno, sem ser ameaçador ou ingrato, como um passeio em torno de uma ratoeira de mentira, que simboliza, despreocupada, o fim de qualquer ilusão, o que também pode ser uma mentira. O lusco-fusco da tarde se acentua, há uma chance de que se possa compreender esse tempo nebuloso e seguir adiante. É isso, estar aqui não me confirma a realidade nem a ficção, não é possível fazer mais do que acreditar, para saber se o que vai acontecer será bom ou meramente desnecessário...



03 abril 2024

Eduardo Galeano, Las palabras andantes

 

Serigrafia, J.Borges


Janela sobre a cidade (I)


Sob os portais da praça, um faquir tragou umas tantas colheres e está engulindo uma mangueira de regar jardins, enquanto suas mulheres tocam flautas e pandeiros e algumas pessoas atira moedas.

Perdido em um canto, alguém move os dedos no ar. Os dedos dançam, como se tocassem a trombeta. Da trombeta invisivel nasce uma música triste.

Uma velha envolta em farrapos anuncia sua poção mágica contra a pobreza, o melhor presente de Natal, a cem, a cem, o frasquinho, quem comprou se salvou, quem duvidou se ferrou. Ninguém a escuta. A mil, a mil, anuncia um profeta a iminente visita do Messias, e a multidão clama:

- Je-sus!

Junto ao profeta, um leão ruge. Cada vez que ele move o rabo, ruge. A mil, a mil, oferece o profeta, vão passando, senhores, os eleitos o verão, o escutarão, a mil, vão passando.

- Forte aplauso que já vem! Já está baixando! Já está chegando!

- Je-sus! Je-sus! vocifera a praça, e os rugidos do leão acompanham os gritos e os aplausos da gente que bate palmas com os pescoços virados para o céu.

O céu, mascarado pelos gases dos motores, não pode ver a multidão que o vê.


(do original Ventana sobre la ciudad (I), em Las Palabras Andantes, de Eduardo Galeano, Siglo Veintiuno, Buenos Aires, 1993)