31 outubro 2010

Sobre rupturas e continuidades


Chegou o dia em que a nação brasileira tem a oportunidade de confirmar o prosseguimento de um projeto exitoso. Um projeto que consegue romper, no contexto político interno, com as amarras da desigualdade, e no externo, com a síndrome da submissão permanente. Podemos, então, erguer a cabeça e olhar para o horizonte, e compreender que é possível alcançar uma vida mais digna, mais feliz. Uma vida em que é possível compartilhar a riqueza da terra e do espírito, sua graça e generosidade, sem a lamúria burguesa que não cansa de nos comparar com o estrangeiro e vilipendiar a nossa maneira de ser...
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Somos o que somos, superando nossos infortúnios e construindo um futuro mais generoso, propenso a reverberar nossas características mais saudáveis, de modo indiscriminado. Rompemos com os impasses que nos acovardavam, com os tabus que nos descreviam como folclore, com os arautos que nos acorrentavam à miserabilidade... Deixamos de ser apenas a beleza que ginga, seduz e que se limita a gerar desigualdade, para firmarmos uma beleza cada vez mais dona de si, que se redescobre e se delicia em manifestar sua voz...
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Tornamo-nos uma nação que não anda a reboque, nem tampouco aceita os desígnios impostos. Nossa criatividade passa a ser cada vez mais uma qualidade a serviço da democracia conquistada. Podemos falar de distribuição de renda, de inclusão digital, de participação no consumo, de qualificação profissional... Os outrora discriminados agentes sociais são protagonistas, por fim, da escritura de nossa narrativa, inscrevendo-se como destacados representantes da nação. Mais do que alçarem a visibilidade, edificam suas vozes, tão lúcidas e sofisticadas...
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Quanto ao rancor, pobre efeito recalcado dos renitentes senhores de engenho, ele se esgarça em seu último brado, patético, envelhecido, enraivecido... Ignoram que o Brasil não é mais uma nação dividida entre a casa grande e a senzala, mas que se desenha à luz de um projeto mais justo, mais avançado, mais democrático, conduzido por uma sociedade organizada em torno de seus autênticos propósitos.
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22 outubro 2010

O vazio, miserável vazio

Confiteria El Molino, BsAs.


Ficamos, então, nessa indispensável discussão sobre se foi uma bolinha de papel ou de chumbo o que atingiu o candidato pastel de vento! Prosseguimos nesse combate insosso de refutar cada linha do discurso vazio bancado pela mídia hegemônica. Mais uma demonstração cabal de que nada de construtivo podemos esperar desse jornalismo, que se perde em seu desespero!
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Aqui da Argentina, fico acabrunhado em ter de explicar o que se sucede com a cobertura jornalística das eleições presidenciais de meu país. Não se entende por que tanta bobagem recorrente! Não se entende como um jornalista se sujeita a ser um mero capataz de seus patrões! Não se entende por que tanto ódio e desprezo a Lula, se todos aqui o admiram! Ainda hoje, vi declarações do ex-presidente e oposicionista Duhalde, afirmando que Lula seria a referência a ser seguida!...
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No congresso de mídias alternativas que estive presente nestes dias, na Universidade Nacional de La Plata, não tive como me furtar em abrir um parênteses em minha ponência e comentar sobre os descaminhos da mídia hegemônica, e a impossibilidade de nós, brasileiros, nos informarmos adequadamente sobre as eleições a partir de sua cobertura. Obviamente fiz a devida referência à mídia alternativa, ao jornalismo independente, aos blogs sujos e às mídias digitais como um todo, porque é graças a esse esforço concentrado e dedicado que nós, brasileiros esperançosos em um Brasil cada vez mais justo e independente, rompemos com as farsas midiáticas e ajudamos a rebater a infâmia.

Triste, muito triste por acompanhar a degringolada de uma oposição que perde o rumo e a decência. Ao que vejo, o candidato sem projeto prossegue em seu vão esforço de criar factóides, juntamente com seu staff publicitário, para a partir deles e somente deles, conseguir alguma sobrevida... Pois não a terá, e quanto a isso estou cada vez mais confiante de que o os brasileiros saberão dar uma resposta à altura, nas urnas, dia 31.

Em tempo: precisamos reconhecer que temos, nessa Argentina tão intrincada e fascinante, um importante aliado que espera nossa aproximação e nosso reconhecimento. Já é tempo de superararmos as diatribes baratas, costumeiramente exaradas pelos meios hegemônicos, e vê-la com olhos de ver, e senti-la com o coração de quem sabe apreciar virtudes.



11 outubro 2010

Por que Dilma


Ao acompanhar ontem o debate entre os candidatos à presidência, reforcei as duas impressões que tenho de cada um: do candidato oposicionista, que me aparece como um pastel de vento, insosso em seus propósitos, sempre preocupado em prometer e mostrar que sabe o que não sabe; e da candidata Dilma Rousseff, que mostra um consistente conhecimento do projeto a que se propõe dar continuidade. Simples assim.
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Ao ouvir Serra, não ouço nada de estimulante, não me convenço com seu trololó, repisado e vago demais para quem almeja oferecer algo de inovador. Ao ouvir Dilma, sinto em sua contundência o espírito de um trabalho que aprofundará as importantes mudanças em curso em nosso país. Compreendo seus argumentos, admiro seu entusiasmo e respeito a coerência de sua história, aspectos que não contemplo no candidato opositor.
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Além do que, esse projeto de nação se liga a um projeto mais amplo, o da integração regional, reforçando as relações políticas e econômicas com os países sul-americanos. Dilma dará continuidade a uma política externa até aqui bem sucedida, marcada pela autonomia de princípios e pelo aprofundamento das relações multilaterais. Ou seja, não permitirá que voltemos a nos sujeitar aos ditames do consenso de Washington, nem tampouco à volúpia desmedida dos capitais especulativos.
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Prosseguiremos com uma política de incentivo à presença de empresas nacionais em setores estratégicos para o país, ao desenvolvimento tecnológico que melhore as condições de vida do povo brasileiro, às políticas de microcrédito, à preservação e aperfeiçoamento dos projetos sociais. E não tenho dúvidas que, com Dilma, as reformas necessárias, dentre elas a política, bem como a regulamentação das leis dos meios de comunicação, serão implementadas.
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E por que não acrescentar, será importante como um novo gesto de ousadia democrática de nosso povo, que após a governança bem sucedida de um torneiro mecânico, seja proclamada a força e a sensibilidade da governança conduzida pela mulher brasileira.

Uma oportunidade de grande significação, e bem ao nosso alcance.



04 outubro 2010

Frustração




A manhã de um cinza frio e distante, o caminhar pelas ruas, por entre as pessoas que passam e projetam expectativa... O ônibus grave, imerso em silêncio, olhares que desviam-se, inapreensíveis, que aguardam o destino, que voltam-se para si, como se pudessem antever o amargo desfecho do dia...

... enfileiram-se como em todos os dias, os vidros embaçados, embora seja domingo de eleição, a chance de purificar as blasfêmias disseminadas... a chance do protagonismo sem cabresto, sem família com deus pela liberdade... e lembro de Alberto Caeiro, Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora/E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse/Que nunca é o que se vê quando se abre a janela...

... o bairro burguês, em silêncio desenxabido, agora úmido... a escola, o vai-e-vem para as salas de votação, a conversa desgastada de três sujeitos bem vestidos, em frente, na fila, a presença do ódio misturado com desprezo, o voto para qualquer oposição... e logo as piadas sem graça... a presença desse ódio que abstrai a alma, o ruído da máquina indicando o voto, nada de fiscais, nada a registrar a cidadania, senão lábios que se calam... gestos suspensos...

... o nada que antecipa... o nada que promove todo e qualquer juízo negativo... novamente as ruas desencorpadas, a casa da família, amigos também reunidos e o desafio lançado em forma de provocação, mais uma, que saco!... apresento a resistência dos fatos para combater os preconceitos realimentados, para minimizar a presunção política... Nas palavras de Manoel Bomfim, Não compreendem que um povo não faz revoluções senão quando uma causa profunda, orgânica, o impele a isto... míopes, reduzidos de vista, eles não conseguem ver os fenômenos, os efeitos todos, por junto, e menos ainda determinar as relações fatais entre uns e outros...

... o almoço tormentoso, a sobremesa indigesta, frases que não se contemplam... mais tarde o ônibus de volta, a centralidade congestionada pelos automóveis que mal se movem... o metrô, mais rápido, as pessoas que acolhem o cinza da tarde, o frio da garôa... a padaria para um café, o velho que se interpõe, buliçoso, com um sorriso enfadonho e frases comedidas, que não desgruda, que fala dos primeiros resultados, e se diverte com a intriga gratuita... só pode, a inesperada encarnação do tinhoso... os fiapos de cabelo branco eriçados, saltitando de uma perninha para outra, sabe-se lá o quanto se diverte... Rumpelstiltskin... só me falta pedir que adivinhe seu nome em três dias, Hoje eu frito, amanhã eu cozinho! Depois de amanhã será meu o resultado da eleição! Coisa boa é ninguém saber Que meu nome é Rumpelstiltskin!...

... mas é diante da tevê que sinto o baque, que acompanho o desenrolar do anticlímax... que sinto o luto me cingir em dolorosa impotência... a tevê em sua torrente de imagens, mostrando o avanço dos números... e reflito no belo texto de Mônica Nunes, ... Estranho modo de a promessa de velocidade tornar-se imobilidade e extensão dos corpos, marcadores biográficos, estendidos no silencioso fragor dos destroços...

... sensação de sonho mal resolvido, a percepção desnecessária de sucessivos Mervais Pereiras, que, como o Rumpelstiltskin da padaria, se expressam com satisfação incontida sobre o aturdimento alheio...

... qual alternativa senão encarar os fatos, levantar e sacudir não a poeira, mas a bandeira, e dar a volta por cima...? Agora, mais do que nunca, incorporar a luta e desafiar as adversidades, que, espera-se, se origine do real desafio político...

... em vez de surgir da propagação da farsa e da intolerância... desse rumor falso que, nas palavras de Amin Maalouf, alguém promove com más intenções... desencadeia as hostilidades, e quando nos inteiramos da verdade, já é demasiado tarde, com as ruas cobertas de cadáveres...