27 outubro 2008

Fim de caso



De suas mãos arrancaram um livro de Alberto Morávia, O homem como fim, e não se teve uma explicação concludente do motivo da escolha. A princípio, seus captores alegaram que o livro fora nada mais do que um furto aleatório, que o meliante agira por impulso, tomando o que lhe estava ao alcance. Posteriormente, de acordo com o boletim de ocorrências lavrado no distrito policial, constatou-se que Romildo José da Silva, negro, 18 anos, desempregado, solteiro, residente à rua F..., número 18 fundos, Vila das Belezas, foi detido após tentativa de furto de um livro na livraria S..., no shopping C... . Segundo o atendente Jonas (...), o elemento tinha sido observado em atitude suspeita no interior da livraria, pelos seus trajes pouco apropriados para o lugar, rondando entre outros consumidores como se fosse um deles, aguardando o melhor momento para subtrair o produto de uma das barcas de exposição (...). Declarou também que o acusado, por seus movimentos calculados fez uma escolha seletiva, sabendo exatamente o que desejava furtar (...).

Assim, seja qual tenha sido a razão de seu impulso incisivo, Romildo sabia o que desejava, um livro cujo título aparentava trazer uma luz para a sua condição social, cada vez menos sustentável. A desventura foi ser traído pelo alarme à saída da loja, desatenção de quem definitivamente não frequenta tais lugares. Na delegacia, Romildo foi interrogado de modo persistente, para não se dizer hostil, e colocado na carceragem local, um cubículo onde doze outros detentos prosseguiam depositados.


Este acontecimento só não se diluiu dentre outros em razão da presença do advogado Rodolfo no local do crime. Ao notar o jovem negro ser imobilizado pelos seguranças com o livro nas mãos, por sua experiência compreendeu imediatamente do que se tratava. Observou os três, na companhia do atendente Jonas, deixarem a loja e por um mísero instante, não mais do que isso, ensaiou apresentar-se na condição de advogado. Não se moveu. Foi como se uma força externa o guardasse incólume, convencendo-o a não se envolver. Espreitou até o limite do possível o semblante infeliz do jovem, Em nenhuma instância eu poderia ser útil a esse pobre diabo, foi a conclusão que consolou o advogado Rodolfo, ansioso por sair dali. 


A bolha de sabão se desfez, o momento da decisão se dissipou e a indolência não fez mais do que condenar a vaga presteza humana.


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