21 fevereiro 2009

O senhor Takeda


O senhor Takeda chegava antes de todos e dirigia-se à sala dos malotes. Sentava ao lado da grande mesa e punha-se a olhar através da vidraça, do alto do décimo andar. Fixava-se longamente nos detalhes do mundo, como se sentisse um prazer especial deixar-se levar por eles. Então chegava o primeiro estagiário, e depois outro, os demais empregados e por fim os malotes, que deveriam ser organizados sobre a grande mesa e despachados para as unidades da empresa.

Cumpria o serviço com desenvoltura, encerrado em seu silêncio monástico, que só era quebrado quando começava a sessão de piadas. Os oito ou dez colegas que mergulhavam juntos naquela atividade lúgubre se divertiam um bocado, o que fazia o tempo passar mais rápido, impedindo que os gestos previsíveis os entediassem além da medida. Era o momento em que se vislumbrava um semblante vagamente animado no senhor Takeda.


Após um tempo de anedotas frescas, alguém se lembrava de recontar a única que o senhor Takeda, em um dia de muito bom humor, contou. Inventava-se algo novo, um início diferente, um personagem mais estranho, bem, fosse como fosse, era ao final da inevitável reprise que se ouvia a solitária gargalhada. Os olhos do senhor Takeda brilhavam satisfeitos, seus bracinhos ganhavam agilidade com os malotes, uma fugaz alegria que contagiava os outros.


A sala ficava esvaziada de malotes, o cheiro de lona manuseada permanecia no ambiente e cada um se dirigia ao seu posto nos recintos anexos, para outras atividades. Restava então ao senhor Takeda, sem função definida na organização, retornar à cadeira diante da vidraça e acompanhar as cenas da manhã, automóveis contidos no tráfego, buzinas, cãozinho negro indo e vindo, semáforo verde, semáforo vermelho, copas das árvores abertas para os fios telefônicos, pessoas caminhando agitadas, encontro de um casal, o longo beijo...


20 fevereiro 2009

Um outro mundo



Nenhum plano pretende explicar ou esgotar o assunto: no estádio, vemos parte das arquibancadas com nossos personagens no centro da tela. O contracampo nos mostra a parte mais próxima do gramado, a linha lateral tomada em plongé. No balneário de Piriápolis ou em Montevidéu, temos apenas os enquadramentos necessários para acompanhar nossos soturnos personagens. No cassino, basta-nos observar os personagens principais jogando na máquina caça-níqueis ou depositando fichas na mesa da roleta.

Tudo assim, economia de gestos, de olhares, de palavras, muito bem construído em um roteiro preciso, que relata uma história vazia e ao mesmo tempo dialoga com uma proposta dialética de múltiplos sentidos, ocultos à primeira vista. O olhar do espectador acompanha o desenrolar catatônico da história, mergulhando em seu non sense e questionando-se em que situação se dará o desfecho. Nada especial: a personagem feminina, Marta, em um táxi, segurando sem saber um pacote com muita grana que acabou de receber, o olhar perdido para além do veículo, para qualquer ponto na paisagem urbana adormecida.

A narrativa ocorre sempre neste ritmo taciturno. Três personagens convivem por alguns dias e nada fazem além de trocar algumas frases vazias, sem proporcionar qualquer expectativa frutífera nas relações. Depreendemos ao redor desses personagens sonambúlicos uma Montevidéu suspensa no tempo, indiferente ao avanço da modernidade, satisfeita em sua placidez, que indica um atraso tecnológico do qual não se envergonha.

Tomando-se por base a cinematografia argentina recente – que busca também mostrar o marasmo social a partir da crise econômica – a realidade presente neste filme de Juan Pablo Rebella ultrapassa qualquer crítica ou qualquer presságio: é como se referendasse um pesar atávico, que não vislumbra transformação e muito menos almeja alguma solução. Basta a consciência de vermos transcorrer os fatos e os atos em sua continuidade espasmódica, sem dor, amor ou esperança.


19 fevereiro 2009

É...



E a miserabilidade dicursiva de nossa grande mídia mais uma vez brota à tona. Desde o início, criando o temor exasperado de uma crise demolidora. Querendo nos levar de roldão, junto com as lágrimas de um império em decadência... Ah, a brutal crise anunciada... Desde o início, o desejo de conectar-nos ao pânico generalizado, ao temor porque é ao temor que se faz necessário prestar conta... Pois bem, aos poucos as vozes mais sensatas desta mídia insensata argumentam aqui, ali, de modo meio desajeitado é verdade, que a coisa não será tão feia...

Diante da torrente de miserabilidade discursiva de nossa grande mídia (que de incompetente não tem nada; a questão é de outro foro, quem sabe o da espetaculosidade a qualquer preço!?...), desde o início me confortei com uma opinião captada ao acaso, veiculada de modo sincero por um noticiário de tv comunitária. O jornalista olhou para a câmera, "... o que se avizinha é um período de crescimento menos exuberante, talvez com problemas localizados, mas ainda assim, um crescimento, e não uma crise... São coisas diferentes, pensem nisso... Boa noite".



15 fevereiro 2009

Primo Levi



"Cedo ou tarde, na vida, cada um de nós se dá conta de que a felicidade completa é irrealizável; poucos, porém, atentam para a reflexão oposta: que também é irrealizável a infelicidade completa. Os motivos que se opõem à realização de ambos os estados-limite são da mesma natureza: eles vêm de nossa condição humana, que é contra qualquer ‘infinito’. Assim, opõe-se a esta realização o insuficiente conhecimento do futuro, chamado de esperança no primeiro caso e de dúvida quanto ao amanhã, no segundo. Assim, opõe-se a ela a certeza da morte, que fixa um limite a cada alegria, mas também a cada tristeza. Assim, opõem-se as inevitáveis lides materiais que, da mesma forma como desgastam com o tempo toda a felicidade, desviam a cada instante a nossa atenção da desgraça que pesa sobre nós tornando a sua percepção fragmentária, e, portanto, suportável".

(Isto é um homem?)



14 fevereiro 2009

Últimos passos




(...) os primeiros clarões do dia, como aprendi a gostar desse momento! O silêncio absoluto, quebrado pelo canto de um pássaro camarada que não nos esquece. Seu gorjeio começa tímido, ganhando em intensidade, contagiando os ouvidos atentos e trazendo mais lembranças tenras, suavizando o desalento que me domina. Lamento não ver os primeiros raios do sol já que minha janela está voltada para o oeste e mesmo que ele despontasse por esse lado, haveria a barreira insuperável da muralha prisional...

Redijo essas últimas anotações sem saber exatamente o que dizer, desconcentrado, na verdade fingindo emoções, travestidas de testamento. Sinto-me impotente por lançar-me a qualquer... maquinação que seja, inesgotável, que consiga refletir minha solidão e meu drama, nesses poucos minutos, tenho esse tempo para escrever um pouco, para deixar um... umas impressões, sei lá, desta cela, do que está nela, do que a cerca... não sei se é bem isso, tenho receio que pela urgência este registro não represente exatamente o que sinto, ou pareça artificial... As folhas brancas que disponho à frente prosseguirão incólumes,

(...)
uma interrupção para o café da manhã, bastante especial desta vez. Os companheiros rosnam, um ou outro estica os olhos, não se deram conta do que está acontecendo, preguiçosos. Uns miseráveis! Talvez representem o sono que os poupem de umas palavras finais, vazias... Lerão depois estas linhas e sentirão um frio subir a espinha, um tremor nas entranhas e demorarão a ter belos sonhos, se é que sonham esses... Pois saibam, são uns desprezíveis! Ovos mexidos, chocolate, um bule de café, pão italiano, manteiga, geleia de damasco, (...) estou em bom estado, têm me tratado bem, sobretudo nestes últimos dias, não posso reclamar. Desta vez capricharam, até o aroma (...)


Ontem, a conversa com o padre redundou em nada, coisa que já esperava. O Mariano insistiu comigo, dizendo que me faria bem... pra mim, nada mudou. Era um padre estranho, não sabia o que falar, estava mais nervoso do que eu, procurei acalmá-lo comentando sobre generalidades, coisas sobre minha família, sobre minha descrença na política, nada de especial. Falei-lhe de minha irmã, a pessoa que mais me ajudou durante esses momentos difíceis e comecei a me encher quando ele começou com esse papo de ter esperança. Tentou encaminhar a conversa para o lado da salvação, cortei dizendo que minha razão não alcançava sua fé e nos despedíssemos. 

Ele me olhou penalizado e lhe pedi para não agir assim comigo. Nunca tiveram pena de mim e não será nesta maldita hora que alguém terá! Disse-me que o senhor poderia me perdoar se me confessasse. Nada de confissões ou segredos, não tenho arrependimentos, olhei para sua face, encarava-me sem saber o que dizer. Pedi que fosse embora, ele saiu desacorçoado por não cumprir com sua obrigação, que satisfação daria ao seu deus?... Não quis pensar nisso, nem em mais nada. Tive tempo de dizer-lhe que não havia o que lamentar, já que eu sempre fora na vida uma ovelha sórdida e desgarrada...

O tempo passa. O Mariano me disse que serão cinco carrascos, quatro com suas espingardas carregadas... Nada acontece e ao mesmo tempo tudo se encaminha para o desfecho, idéias, sonhos, imagens, desejos (...) Não dou conta de mais nada, como se fazer parte ou não deste mundo significasse a mesma coisa... por isso nada mais deve acontecer até o momento final. Avisam para me preparar, acho que em breve me levarão. Mais dois minutos, tempo para tentar concluir as idéias... Hum... Não quero falar sobre culpas, ou sobre falhas, não mais. Poderia falar sobre a imagem mental que tenho daquele descampado, quando atravessava com meus primos, de mãos dadas, cantando (...) o cheiro da casa da minha avó, a cama de molas que ela reservava para mim... A cidade desperta, ouço seu rugido ao longe, superando o canto desse pássaro que não deixa de anunciar o alvorecer de cada dia, todos os dias... Se existe algo a lamentar, é a perda definitiva desse momento íntimo...


... acabou, o Mariano pede para me apressar... Meu último olhar, meus últimos registros, sem que isso possa fazer alguma diferença...




13 fevereiro 2009

Todd Gitlin


Finalmente, a torrente furiosa de imagens e sons traz consigo um paradoxo que deveria contestar qualquer presunção ocasional de que mais é melhor, de que o superfluxo das mídias é sinônimo de progresso. Enquanto nossos olhos e ouvidos aceitam imagens e sons em toda a sua abundância, estamos de costume sentados para recebê-los. A torrente passa em disparada mas nós – apesar dos exercícios na esteira, dos walkmen, das rádios esportivas – estamos quase sempre imobilizados.
As novidades jorram adiante, mas o telespectador refestelado no sofá continua inerte. Quanto às conseqüências humanas da vida sedentária, pode-se alegar alguma hesitação, mas parece improvável que a fast food seja a única razão pela qual o povo do controle remoto, da TV a cabo e da internet acabou ficando espantosamente obeso.
Sem dúvida médicos pesquisadores serão cada vez mais ouvidos a respeito deste assunto nos próximos anos, quando repórteres baterem a sua porta buscando confirmar a intuição de que a inércia acrescenta gordura à carne e novos remédios químicos para a obesidade forem promovidos – na televisão, onde mais? Na era do fluxo incessante de imagens, não há angústia social que não possa ser atendida com uma mercadoria, um moda e uma aparição no noticiário – nenhum dos quais serve para dissolver a angústia
”.
(in Mídias sem Limite).


12 fevereiro 2009

Idea Vilariño




DECIR NO...


Decir no

decir no

atarme al mástil

pero

deseando que el viento lo voltee

que la sirena suba y con los dientes

corte las cuerdas y me arrastre al fondo

diciendo no no no

pero siguiéndola




09 fevereiro 2009

Sobre o medo



“Todo conto moral atua espalhando o medo. Se, contudo, o medo disseminado pelos contos morais de outrora era um medo redentor (aquele que vem com um antídoto: com uma receita para afastar a ameaça que o origina e, portanto, para uma vida livre dele), os ‘contos morais’ de nossa época tendem a ser impiedosos – não promovem nenhum tipo de redenção. Os medos que disseminam são incuráveis e, na verdade, inextirpáveis: chegaram para ficar – podem ser suspensos ou esquecidos (reprimidos) por algum tempo, mas não exorcizados. Para esses medos não se encontrou nenhum antídoto nem é provável que se venha a inventar algum. Eles penetram e saturam a vida como um todo, alcançam todos os recantos e frestas do corpo e da mente, e transformam o processo da vida num ininterrupto e infinito jogo de esconde-esconde – um jogo em que um momento de desatenção resulta numa derrota inapelável”

Extraído de Medo Líquido, Zigmunt Bauman, Zahar Editores, 2008


08 fevereiro 2009

O retorno



Receberam-no com um sorriso insuspeito, a três metros de distância, encostados no vão de entrada da rodoviária. Permaneceram imóveis, observando-o se aproximar, enquanto conversavam entre si. O viajante estava exausto e envolveu ambos os homens em um abraço, cuidando para beijá-los respeitosamente nas faces. Um retorno longamente protelado, que acontecia no pior dos momentos. Sentiu pela vez primeira a brisa fria da madrugada acariciar-lhe o corpo, ajudando-o a recompor-se um pouco da longa viagem. A bem da verdade, não esperava que o aguardassem na rodoviária, tinha imaginado cumprir o percurso até a casa da avó à pé, pensando como faria ao encontrar todos, como exprimir as primeiras palavras sem criar embaraços pela sua visita.

O tio tomou-lhe a pequena bagagem enquanto o pai perguntava sobre... Respondeu o que pôde, como pôde, ainda sem se dar conta que havia chegado, que havia por fim superado os dilemas que o impediam de voltar. Andaram a passos vigorosos, atravessaram a rua e se encaminharam até o jipe. Sentiu o aroma dos crisântemos, ocultos no jardim pela noite espessa. Ouviu o estrilado dos pequenos insetos, as ramagens roçando umas às outras, o ar puro penetrando-lhe fundo os pulmões. Estava contente por rever os homens que iam no banco da frente, era um sinal de que ainda o tinham com respeito. Além do sorriso mútuo, um ou outro comentário breve sobre a viagem, sobre...

O jipe avançou por ruas escuras, percorrendo espaços da infância, não demoraram a chegar em um pátio iluminado, com dezenas de pessoas silenciosas. Saltou do veículo com o pai e o tio e serpenteou por entre a pequena multidão, rostos em sua maioria conhecidos. Sua mãe se destacou para recebê-lo, à entrada do recinto. Tinha o olhar caloroso, a expressão vigorosa em um corpo frágil. O abraço como há muito não sentia, a pergunta se não estava com frio. Entraram juntos. O espaço interno era como havia imaginado, um pouco mais espartano talvez, com dois ambientes, o principal mais amplo e arejado, o outro, uma pequena cozinha com fogão e mesa com umas poucas cadeiras. Separou uma e aconchegou-se, deixando escapar uma expressão de desamparo. Aceitou uma taça de café quente das mãos da mãe e sorveu o líquido sem pressa, aos bocados...

Retornou ao salão principal, fitando um a um em seu desamparo. Uma paisagem solene, composta por tios, tias, velhos amigos, primos... As velas se consumiam em um delicado fragor, sustentando a frágil luminosidade. Na cabeceira do caixão, uma jovem muito bela, Raquel. Beijou a prima e por fim, voltou-se para a mulher deitada. Sem qualquer manifestação íntima de pesar, uma pergunta lhe ocorreu: por que demorara tanto para regressar?... A sua avó jazia diante de si, estirada inapelavelmente. Foi possível rememorar trechos de histórias familiares narradas por ela, envolventes, misteriosas, sobre o avô desaparecido no cerco de Viazma, as dificuldades pela sobrevivência com os filhos, a vida pioneira em um rincão que, muitos anos depois, se transformaria na cidade que agora lhe serviria como repouso final...

A mulher que inspirara sua personagem principal, no romance recém-acabado, era a única a não se manifestar em sua chegada. Sob os abraços e cumprimentos silenciosos, ele olhou a disposição da sala, a arrumação fúnebre, o movimento das pessoas, sentiu o arrepio da noite fria penetrar-lhe o âmago, desatando a dor procrastinada. Por fim, constatou a mesma ambientação descrita na morte de sua personagem. Só não imaginou que a realidade pudesse imitar a ficção, em seus detalhes mais singulares.


04 fevereiro 2009

(Brevidades subjetivas em um jogo de tênis)




Nenhuma novidade, a não ser um veículo com alto-falantes, do lado de fora da cancha, anunciando de maneira ruidosa as novas e desesperadas liquidações. Você se concentra para repor a bola em jogo, enquanto aguarda que ele passe. Há um silêncio dentre aqueles que o observam, até mesmo do jogador adversário, uma forma de respeito e ansiedade contidos, prestes a desabrochar em fúria, mas vamos lá. 

Uma vez realizado o saque, recomeçam os movimentos longamente ensaiados, braços soltos em amplos volteios, os golpes certeiros e pouco inspirados até surgir um bom drive cruzado, um forehand na paralela, uma bola mais curta, outra mais funda, o approach que resulta no voleio bem sucedido junto à rede, ou numa patética bola longa demais, um ponto a favor ou contra. E o recomeço do jogo.

Segue a partida sob aplausos, sob murmúrios de decepção. Acertos e erros, a prática contínua que o habilita a enfrentar as particularidades do jogo com mais naturalidade, embora... embora você possa se assustar com sua continuidade, uma insegurança momentânea que intervenha de súbito e atrapalhe a estratégia delineada. 


Da plateia, uma palavra de desaprovação chegará aos seus ouvidos, proferida por algum observador extemporâneo, que não sabe exatamente como segurar uma raquete. Este observador talvez esteja mais atento com a tragédia do mundo, que pode se resumir a sua mera incompetência pessoal em viver a vida. Eis um sujeito próspero em promover o subterfúgio, sem que isso lhe traga ganhos ou perdas, sem que isso acrescente absolutamente nada.

É o momento de retomar a concentração, não é fácil. Quem sabe lembrar do vendedor de pipoca lá fora, aquele sujeito mais desinteressado do mundo, que com seu método peculiar de trabalho, terá sempre um saquinho quente e apetitoso do que melhor sabe fazer. Nessa altura dos acontecimentos, quer coisa melhor?


03 fevereiro 2009

Galeano



“Nosotros

Tenemos la alegría de nuestras alegrías.
Y también la alegría de nuestros dolores, porque no nos interesa la vida indolora que la civilización de consumo vende en los supermercados y estamos orgullosos del precio de tanto dolor, que por tanto amor pagamos.


Nosotros

Tenemos la alegría de nuestros errores, tropezones que muestran pasión al andar y el amor al camino, y tenemos la alegría de nuestras derrotas porque la lucha por la justicia y la belleza valen la pena, también cuando se pierden, y sobre todo tenemos alegría de nuestras esperanzas en plena moda del desencanto. Cuando el desencanto se ha convertido en artículo de consumo masivo y universal.


Nosotros

Seguimos creyendo en los asombrosos poderes del abrazo humano.”


02 fevereiro 2009

O senhor Binessen




O amor por fim alimentava o coração. Aos 50, não era um sentimento desvairado, oculto entre incógnitas e surpresas, desta feita sabia o que era e como protegê-lo. E saboreava-o gostosamente, talvez fosse esse o benefício da madurez tardia. Saboreava-o em sonhos e reminiscências, mas sobretudo quando estava ao lado dela, como naquele momento, sentados no anfiteatro, atentos ao desdobramento das conferências.

Ao tocar em sua mão, mais do que sentir a textura delicada da mulher que amava, Binessen sentia o calor profundo de seu corpo, a respiração pausada em terna expectativa. Por mais que desejasse apressar o tempo para tomá-la nos braços, confortava-se então com as nuances de um ardor que o envolvia e o estimulava de modo especial, e porque sabia que era recíproco.

Não perdia a chance de observá-la vez por outra, sob a luz baça que escapava do palco, quando resgatava os dois grandes olhos azuis para si, envoltos na opacidade típica de uma expressão serena... Era a melhor prova de amor que podia dispor, naquela inquietude tão cúmplice.


01 fevereiro 2009

Contrato entre farsantes (antes da crise...)



Foi então que, ao se esgotarem todas as possibilidades de compras ou fusões, o Grande Conglomerado decidiu-se pela compra do mundo. O problema passou a ser com quem negociar, com o presidente da nação mais rica, com um pool de economistas das principais potências ou, descartando completamente as alternativas políticas, restringir as conversações ao âmbito empresarial.

Resolvida a pendência, o presidente do Grande Conglomerado, acompanhado por seu séquito de colaboradores, passou a deslocar-se de maneira obsequiosa, a princípio entre Londres, Paris, Berlim, estendendo os contatos de cúpula para Tóquio e Beijing. Suspendeu suas consultas itinerantes ao constatar as recepções interesseiras dos governantes ao seu projeto. Retornou a Miami e dali fez uma proposta via internet aos representantes mundiais, prometendo aguardar dois dias para as deliberações finais, ignorando o fórum das Nações Unidas. Recebeu dezoito respostas. Achou um ultraje, O mundo não está me levando a sério, esbravejou, e num movimento mais decidido, ligou para seus principais gerentes espalhados pelos quatro cantos do mundo e ordenou um relatório de demissões sumárias. 


Nesse meio tempo, discou para o presidente da Grande Nação, em Washington, Presidente, desejo informar-lhe que estou comprando o mundo, incluindo esta imponente nação, e a minha proposta será divulgada no NY Times de amanhã. Tenha um bom dia. Desligou o telefone e suspirou fundo. Mais tranqüilo, lembrou-se (e não saberia dizer o porquê) de Burgess Meredith encarnando o Pingüim na série Batman e resolveu dar uma volta pelo jardim de sua mansão, enquanto seus assessores preparavam o conteúdo do texto a ser enviado ao jornal, bem como a minuta do contrato.

Antes do Grande Conglomerado assumir o controle global, as demissões pelo mundo foram cuidadosamente preparadas para que não causassem grandes danos à engrenagem do sistema. A grande mídia cumpriu seu papel ao explorar mercadologicamente as muitas futilidades do processo, sem provocar as suscetibilidades de quem passava a mandar. Algo se falou da renegociação dos títulos da dívida pública, da casa de campo dos diretores e do estilo de comandar do presidente do Grande Conglomerado, matérias leves e digestivas. De outra parte, os demitidos tornaram-se um tema maldito, aos poucos desaparecendo do noticiário e passando a ser perseguidos pela polícia política e pelos pitbulls dos novos ricos. Os que tentaram manifestar um repúdio organizado foram prontamente enquadrados na nova lei de segurança mundial. A maioria se convenceu a retomar a vida ordinária sem um pio.


O ex-presidente da ex-Grande Nação pôde retomar suas tardes de golfe, tornando-se mais tarde um dos executivos menores do Grande Conglomerado. As principais bolsas do mundo, nos dias subseqüentes ao anúncio do negócio, fecharam o movimento em alta, detalhe sem qualquer relevância.