18 novembro 2021

The sheltering sky


O Céu que nos Protege (1990)
 

É curioso um blog que promove em grande medida a política, a literatura e a cultura latino-americanas, tenha o nome de um livro de contos de um escritor estadunidense. Na verdade, Paul Bowles representa aquele artista descolado no tempo e no espaço, sempre em busca de novos horizontes para sua arte, de outros convívios para sua inquietude. Suas viagens foram mais expressões de um burguês a procura dos desígnios de sua vida, com a virtude de que não se satisfazia facilmente com o que encontrava. Tinha grana suficiente para lançar-se ao mundo, com suas imensas bagagens, e assim poder pesquisar sua música e escrever seus romances. Foi bem sucedido em seus projetos, e teve o merecido reconhecimento como compositor e como escritor. 

Ainda assim isso não explica objetivamente a escolha pelo título do blog. Em algum momento anterior, devo ter comentado de passagem o móvel desta escolha, e o retomo ainda uma vez: seus textos me marcaram profundamente. Um pouco para além disso, eles não se alinham a uma escrita burguesa, acomodada, que se satisfaz com futilidades. Mesmo que em determinados momentos de sua narrativa seja possível identificar a cultura hegemônica do colonizador, seu esforço em descrever, por exemplo, a paisagem, a vida, os costumes de um lugar com tantos contrastes, expõe a sinceridade de seu olhar para um mundo que não era o seu. Incorpora naturalmente as especificidades de uma existência completamente distinta da que levava em Nova Iorque. 

Seus últimos cinquenta anos foram vividos tranquilamente em um rincão de Tanger, sem abandonar os costumes burgueses de sua origem, porém bastante atento à cena cultural marroquina. Quando pude assistir o filme de Bertolucci, cuja linda sequência final destaco acima, a obra de Paul Bowles ganhou relevância para mim. Por estas e outras razões talvez mais subjetivas, o reconhecimento deste blog ao nome de um autor gringo, no aniversário de sua morte.



14 novembro 2021

Eleições legislativas na Argentina

Calle Santiago del Estero, 2015

Eleições encerradas, 18h30. Teremos em menos de uma hora os primeiros resultados do sufrágio que irá renovar la mitad de Diputados y un tercio del Senado. Nas primárias abertas simultâneas e obrigatórias (PASO) ocorridas em setembro, a derrota oficialista foi contundente: Juntos por el Cambio, a oposição majoritária de cariz conservador, reuniu 41,53%, um acréscimo de pouco mais de 11% em relação às últimas eleições; a Frente de Todos, grupamento que comanda as duas casas legislativas e o executivo, peronista, reuniu 32,43%, uma queda de mais de 32%. A coalizão de direita teve 6,41%, sob a liderança de uma figura folclórica, Javier Milei, e conseguiu mais votos que, por exemplo, a Frente de Izquierda (5,12%) e outra coalizão peronista, mas rompida com o kirchnerismo, Vamos con Vos, (5,54%). Milei é uma espécie de Bolsonaro argentino, não tão tosco e fútil, mas igualmente fanfarrão, bastante popular entre os jovens. 

O que se espera, no bunker do oficialismo, é que ao menos a diferença seja reduzida, uma vez que o tempo passado entre as PASO e estas eleições foi de dois meses. Já se sabe que houve um acréscimo de 10% no número de votantes, o que não significa que seja uma boa notícia para o governo. Tenho ouvido pelas manhãs a programação da rádio AM 750, sob o comando da equipe de Victor Hugo Morales, onde diariamente acompanho as análises da complexa conjuntura política que afeta o desempenho governista, assim como os problemas econômicos crônicos, como desemprego e a alta inflação, que não foram devidamente atacados. Ouço agora os primeiros informes vindos de distintas províncias, e as análises seguem muito cautelosas. Nada parece indicar, até o momento, que haja grande mudança em relação às eleições primárias. Aguardemos.



10 novembro 2021

Sobre a irresponsabilidade cognitiva


Un callejón sin salida - Mazatlán, 1997

Acompanhamos, nestes dias e semanas, o doloroso calvário de um querido amigo, ainda jovem, que integra com brilho nosso grupo de pesquisa. Quando se infectou com o vírus, foi dispensado após alguns dias pelo médico que o atendeu, os pulmões debilitados. Pensamos muito nessa decisão que entregava o paciente à recuperação por sua conta, longe de um atendimento médico mais cuidadoso. Poucos dias depois, muito fragilizado, buscou nova internação em outro hospital. 

A doença foi cruel com ele, imobilizando-o em uma cama, com ajuda de respiração mecânica, por mais de um mês. Foram poucos os momentos de esperança, que emergiam quando o quadro apontava alguma melhora. A dor que se instala e permanecerá está contaminada pela revolta contra uma parcela dos profissionais de saúde da medicina privada e de operadoras de seguro de saúde (espero que pouco significativa), que, ao contrário dos profissionais de saúde do SUS, profundamente empenhados e sob condições precárias de trabalho, assumiu ao longo da pandemia um papel lamentável, de pouca dignidade profissional na atenção ao paciente e ao considerar, equivocadamente, o tratamento preventivo amparado por medicações como a cloroquina ou ivermectina, tal como esse desgoverno sempre estimulou. 

Desde os primeiros meses, organismos nacionais e internacionais sérios (como, por exemplo, a Organização Mundial de Saúde), desacreditaram esse tratamento. Nosso amigo deixou o hospital, na primeira vez, com os pulmões funcionando 50%, ou seja, sem uma ventilação suficiente. Teve de retornar e não mais saiu. De outros hospitais soube-se, por testemunhos na CPI da Covid-19, que após algum tempo se optava por tratamento paliativo, vale dizer, fora da UTI, com aplicação de morfina, no aguardo da morte dos pacientes. Atitudes no mínimo suspeitas, que estão a ser investigadas pela justiça. 

O mais grave foi o capitão-presidente, junto ao amontoado de inconsequentes que ocupam funções administrativas, postergar por meses a compra das vacinas. Atuaram, ao que tudo indica, em uma falsa hipótese de imunidade coletiva. Com base no diagnóstico sério de médicos e cientistas comprometidos com os valores humanos, se as vacinas chegassem a tempo salvariam milhares de pessoas do sofrimento físico, das sequelas da doença e da morte. Milhares. Se não foi um genocídio cientificamente calculado, foi uma atitude que culmina, segundo a última versão do inquérito, produzido pelo relator da CPI Renan Calheiros, em nove crimes distintos, dentre eles, crime de epidemia com resultado de morte e crime contra a humanidade. 

Passamos, no Brasil, por um momento tenebroso e muito triste. Não tem bastado sofrer com as políticas de aniquilamento das redes de proteção social, dos direitos trabalhistas, da educação pública; muitas famílias também sofrem com a hipocrisia e a canalhice especulativa, que em sua irresponsabilidade cognitiva condena uma nação ao opróbrio. Esse estado de coisas leva aos defensores da democracia e do estado de direito a incorporar uma resistência decidida e a determinação renitente de riscar do mapa, nas eleições do ano que vem, os integrantes de um desgoverno inepto, que de maneira deliberada afligiu centenas, milhares de famílias brasileiras, por mais que muitas delas insistam em não tomar consciência disso.

(atualizado em 13.11.2021)



08 novembro 2021

Tardezinha

Día de los muertos, S. Eisenstein

A morte, esse evento estranho e absurdo. Como considerá-la a partir de nossa compreensão tão limitada? Temos a constatação externa, que não contempla o para-si em sua angústia, que aos poucos desliza para uma condição em-si. Esse processo de nadificação de fato apaga a subjetividade? De outra parte, as correntes genuínas de amor, que se formam no entorno desse para-si em vias de tornar-se em-si, vindas de outros para-si, não conseguem alterar um grão de areia o completo apagamento existencial? O mais estranho de tudo é que o prosseguimento da vida social trata de solapar essa lembrança pontual, com a finitude de todas as testemunhas restantes, que seguirão, ao fim e ao cabo, o mesmo processo de extinção que observaram. Tanta dor e tanto sofrimento absorvidos em um determinado momento, se diluem com o passar dos anos, no esquecimento. Outros personagens, outras realidades se sobrepõem, e aquele momento angustiante se desvanece no pó.

Lembro-me, e talvez eu seja a derradeira testemunha dessa imagem, há quase cinquenta anos, quando da morte de um primo, em Londrina. Ao chegarmos em sua casa, num bairro simples, ainda com muitas casas com quintais de terra, encontrei meus tios, os pais do jovem morto, absolutamente inconsolados em sua dor. Foi a primeira e a última vez que vi aquele casal, sorridente e alegre, chorar. Estavam do lado de fora da casa, choravam em silêncio, apartados de uma pequena aglomeração que tomava conta do interior da casa e começava a se esparramar para fora. Permaneceram abraçados e sem dizer palavra por horas. Ambos, como a maior parte dos presentes, morreram, e conforme a expressão de Simone de Beauvoir, a morte do filho os separou e a morte dos pais não os reuniu. 

Os que sobrevivem, e são poucos, perderam a lembrança do episódio, e ele se dissipa; resta a minha versão, da qual ninguém está interessado nas particularidades, mas no significado do fim como sendo uma narrativa outra da tragédia humana. Os seres que naquele exato momento se revoltavam pela morte prematura, compartilharam dessa dolorosa singularidade, cometeram o bem necessário de experimentar coletivamente a provação. Aquele acontecimento os alimentou durante anos, em torno da fogueira dos reencontros, das conversas, das escolhas. “Eu revolto-me, logo existimos”, diz Camus em seu ensaio O homem revoltado. As atitudes posteriores não amenizaram o fato, não absorveram a dor. Agora aquelas pessoas não mais estão e a finitude que nos condena levou com eles a revolta.  

Testemunhar um acontecimento e mantê-lo vivo me parece uma tarefa heroica, que não nos faz mais ou menos humanos, mas nos torna imprescindíveis, porque o nosso relato necessita desta sobrevivência, ainda que tênue, para alimentar a condição de seres comunais. A lembrança é o prumo da caminhada, com ela, amenizamos a angústia da existência ao relembrarmos os momentos, ao dividirmos com os outros as alegrias ou as tristezas, ao realizarmos o futuro a cada instante. Serei testemunha de outras mortes, contarei seus episódios, as nuances ocultas e desveladas por minha intenção, até que venha a sentir o estertor, e nada poderei fazer. E será mais um fim a se narrar, mesmo que por um breve tempo.        

(atualizado em 09.11.2021)



05 novembro 2021

Robert Walser - um conto

 

Robert Walser (1878-1956)


O modo como fui apresentado a Robert Walser foi absolutamente incidental, em um lugar próprio para descobertas literárias: um vagão de metrô em Paris. Pelo menos até há dez anos, era comum ver as pessoas passar o tempo da viagem lendo, em circunstâncias as mais diversas, sentados, de pé, empoleirados um nos outros durante os horários de pico. Sempre curioso, observava a capa dos livros lidos e chamou-me a atenção um jovem adolescente lendo um autor chamado Robert Walser, que desconhecia por completo. Ele não desgrudava os olhos da leitura, então fixei-me no título, Nouvelles du jour

Busquei um exemplar e logo encontrei numa livraria. Trata-se de uma compilação em formato de bolso (essas maravilhosas opções baratas que encontramos em editoriais pelo mundo) de histórias curtas, "quelque chose d'expérimental et de prudemment tâtonnant". A leitura dinâmica que realizei na ocasião me aproximou do estilo daquele autor desconhecido, que se acercava de maneira bem peculiar das situações prosaicas do cotidiano. Poucos anos mais tarde, encontrei em uma livraria portenha um exemplar em espanhol de Walser, que passou a me acompanhar nas andanças do dia a dia, e que acabei esquecendo em uma sala de aula de Córdoba. 

De lá para cá, o nome de Robert Walser assumiu seu lugar de destaque em minhas simpatias literárias, sem que me aproximasse do livrinho em francês. Fiz umas poucas leituras de sua biografia, contextualizei sua vida no período histórico em que viveu, curioso em desvelar o método de escritura, as inspirações temáticas, as preocupações existenciais. Escreveu em diversas revistas alemãs e suíças, sua escritura singular foi apreciada por Benjamin, Hesse, Musil, dentre outros. 

Duas coisas em comum com Kafka, que também admirava seus textos: teve um editor e mecenas, Carl Seelig, que cuidou da divulgação de sua obra para o mundo e terminou os dias em um sanatório. A diferença foi que Walser passou mais de vinte anos ali, levando uma vida discreta, mais preocupado com os passeios pelas cercanias da clínica, restringindo sua escritura a textos epistolares, cartas redigidas para as irmãs Lisa e Fanny.
 
Abaixo, com significativo atraso, faço um singelo reconhecimento a esse silencioso e modesto escritor, traduzindo a narrativa Nouvelles du jour, cujo texto original em alemão foi publicado na revista berlinense Die Weltbühne, em março de 1921.

Notícias do dia

Hoje, eu estou em melhores condições que antes, uso um chapéu ultra chic, me comporto de acordo, pago minhas faturas pontualmente e minha senhoria é mãe de duas garotas que se relacionaram com dois doutores em filosofia. Com o tempo, estes senhores, em busca de novas relações, se separaram de suas esposas. Bah, a frieza e a infidelidade são horríveis.

Logo, o que há de novo? Recentemente, alguém deu uma conferência sobre Dostoiévski, então, era sobre o tema do valor da psiquiatria na sociedade. Um palestrante se pronunciou sobre o sectarismo, ele era contra. No teatro, representaram Marie Stuart: nessa ocasião, eu revi a senhorita Else Heims.

No restante, me senti muito bem, aqui em Berna. Certamente eu não sou mais tão independente, trabalho em um escritório, ou antes, em uma espécie de sala abobadada, computo toda sorte de velhas atas, dossiês, cartas, relatórios, prescrições, estabeleço listas e tarefas que fazem parte de meu serviço, o que considero bastante charmoso, mesmo quando devo me esforçar um pouco mais.

O mais belo é que tenho plena consciência. De outra parte, esta honrosa disposição jamais falhou comigo, que eu saiba. Acabo de perder, infelizmente, um lindo dente são, o que por bondade não é um grande infortúnio. Certamente, de agora em diante eu ando com a falta de um dente da frente, mas continuo a amar o que faço, sobretudo à noite depois do trabalho, e no sábado à tarde.

Toda a gente sai, confiante e saudável, e o ar está suave, pleno de aromas, e esqueço tudo, torno-me novamente aquele que sempre fui, sou feliz e cumpro toda sorte de pequenos encontros agradáveis, pertenço ao mundo e o mundo me pertence, e o mundo é vasto, e meu coração é tão forte, embora não seja mais tão jovem.

Mas a juventude e a velhice, o que são elas comparadas ao infinito da natureza, o que são comparadas a essa ideia excitante e desse sentimento onde todas as mínimas diferenças se anulam?


(Tradução do texto em francês Nouvelles du jour, da obra homônima Nouvelles du Jour, Proses brèves II, Carouge-Genève: Éditions Zoé, 2009).

(Texto atualizado em 05.11.2021)



01 novembro 2021

Presença do senhor Montero


A fonte que o senhor Montero não conheceu

Enquanto converso com mamãe, não me escapa a presença silenciosa de papai. De um momento para o outro, transformo minha audição em uma ficção memorial, se é que isso pode se considerar. Com a referência de um tal Monti, de origem italiana, que fazia parte da vida cotidiana da pequena Buganvília, sou levado a imaginar como seria sua face, suas expressões, seus gostos, e talvez o mais importante, como se relacionava na amizade com meus pais. A um pedido meu, mamãe passa a descrever aquele rapaz com muito bom gosto e clareza nos detalhes, Era um jovem tímido, não tinha nada de elegante em sua maneira de se vestir, mas possuía um charme irresistível quando a gente se aproximava para conversar... ele morava a duas quadras, no final da rua de nossa casa, e lembro que em um dia de Natal... 

Por nossa casa, ela queria dizer a casa de meus avós. Com um pouco de esforço, consegui lembrar da rua, naqueles longínquos anos em que viveram sua juventude, não mais do que uma vereda de terra-roxa, que cruzava os baixios da avenida principal. Nos meus tempos de infância, ela já possuía calçamento de paralelepípedos, já com muros de tijolos no lugar dos cercados de madeira. De todo modo, sempre me é um esforço hercúleo recordar com nitidez essas paisagens, nunca mais regressamos a Buganvília, quero crer que desde o falecimento de vovó, há quase trinta anos...

Mamãe prosseguia, Monti já era casado e seu bisneto, Roberto, agora se casava com uma prima minha de terceiro grau. Imagens da festa chegaram ao celular de mamãe, que não pôde comparecer e com elas se entreteve ao longo do sábado. Agora, no almoço de domingo, enquanto nos deliciávamos com o arroz, feijão e polenta, ela trazia os desdobramentos dessa inequívoca relação, o jovem e o velho Monti, me esforçava para não os confundir em uma única imagem. Ao longo dessas lembranças, eu gostava de confirmar minha teoria de que as relações nunca se esgotavam, ao contrário, mostravam-se muito circulares, a cada nova lembrança da velha e da nova Buganvília se estabelecia uma certa linha de continuidade, onde as histórias ainda não contadas se complementavam no presente, e seguiam abrindo caminho para o futuro. 

Houve o tempo em que papai e mamãe borbulhavam nomes daquele tempo, os Brandinelli; Bernardo, o filho da Pepa; Zé Preto e seus irmãos, Honório e Rufino; Tomás Chato; Tarzã, o que morreu engasgado ao comer castanhas; Rigoberto e Josefina; os Delgados, donos da mercearia atrás da igreja, personagens que não cansavam de surgir nos relatos infindáveis de juventude. Era bonito de se ver. Sempre um novo episódio, um personagem convidado, uma história curiosa. Houve um tempo em que as recordações eram compartilhadas, agora só mamãe tem o dom da lembrança, quanto a papai, resta sua presença, o que não deixa de ser um fato significativo para mim.

Por que o digo? Poderão achar tolice, mas me agrada sua expressão silenciosa, enquanto ouve os relatos e mastiga serenamente a comida. Está anos-luz de distância de cada detalhe explorado em minúcias por minha mãe. Para ele, é como se não tivesse vivenciado quaisquer daquelas aventuras. Em um ou outro momento se detém, como a reconhecer alguma passagem da narrativa, como se ele pudesse agregar, de súbito, um outro viés, uma outra interpretação. Mamãe aproveita o momento e pergunta, lembra disso?, ao que os olhos de meu pai buscam algo a acrescentar, no espaço entre nós, alguma evidência por trás de um utensílio disposto na cozinha, para, ao final de um tempo, assentir com a cabeça, capitulando em meio a seu esforço. Essa concordância fugidia me atrai e me emociona: por mais que não se recorde absolutamente de nada, o brilho de seus olhos comprova que estava lá, que era um dos protagonistas da história. 

Por um átimo de tempo, sou levado a imaginar o que era Buganvília naqueles primeiros tempos, em que cada ato, cada decisão, guardava em si bocados grandiosos de ações pioneiras, dessas que ajudam a construir uma comunidade. Por trás de cada gesto, o amor, a amizade, a dificuldade em meio àquela terra ignota, a bravura, a superação. Então, a expressão de Monti, ou senhor Montero, meu pai, que não guarda mais a impulsividade de sua ascendência italiana, ganha um sentido iluminado, pelo simples fato de estar diante de mim, por estar vivo após tanta fortuna e tribulação, e que se transformam em narrativas afetivas nas versões de mamãe, e nas elucubrações de minha imaginação quando as ouço. 

(atualizado em agosto/2022)