18 dezembro 2008

Sentimentos à beira-mar



Eu e minhas lembranças. Não há esforço visível que possa desprender e que me faça libertar desta consciência tão indelével. Posso estar no melhor de meus dias, caminhando pela praça, lendo meu livro, conversando com um cliente, não importa, haverá um instante, um mísero instante em que perderei contato com a realidade para remeter-me à princesa dos meus sonhos, desejos em dolorosa volúpia. Entrego-me ao sabor das emoções, a mulher que me conduz pelos meandros de uma imaginação pecaminosa, sedução que persiste em seus laivos lancinantes...

Remeto-me ao princípio dos tempos, que por mais distantes, remontam com o frescor da primavera. As imagens ganham em nitidez à medida que desvelo recordações enturvadas, há muito abandonadas, que de súbito me trazem a sobrevida, robustecem a alma solene, expondo suas faces brilhantes, e a roda da fortuna restabelecendo o jogo que me eleva a renovados diálogos imaginários...

A princesa perdida, a mais enigmática e a mais desejável. O tempo escoa e aprofunda meu devaneio, aparta-me delicadamente do presente e entrega-me aos caprichos infinitos da memória. Situações que despontam e que me arrastam, promovidas por desejos obscuros, inconclusos, ativados por distrações mal percebidas como os pedestres que cruzam lateralmente meu campo visual, ou por este aroma de jasmim, tão inesperado quanto arrebatador. Breves regurgitações que me devoram a alma...

Abdico da realidade para retomar um mundo desvanecido, que me revolve tal qual as palavras introspectivas de um belo poema. Permaneço em minha solidão intrínseca, sem pressa em abandonar esse movimento à deriva, o olhar imóvel nas ondas crispadas, que rebentam suavemente. Satisfaço-me em aventar os encantos dispersos, sem tormentos, plenos de conjecturas...

Avanço pela areia quente e fofa e alcanço a brandura das águas. O frescor da tarde estimula a serenidade do imaginário, sob os grunhidos das gaivotas que voluteiam ao longe. Sua presença, princesa amada, desponta imperturbável no horizonte, acima do azul do mar; seu sorriso esparrama-se com a brisa que afaga meu rosto, desliza com o último ardor do sol, e a boca novamente sôfrega oferece-me o sabor dissipado, esconjurado, enquanto sem perda de tempo (mas... existe um tempo que flui nessas quimeras reflexivas?) me solicita a resposta crucial, eliminando os temores de um novo adeus.


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