11 dezembro 2008

Cooperifa




Fiz mais uma visita a esta assembléia de poetas das periferias, não só por ela ser tema de minha investigação de pós-graduação, mas sobretudo pelo prazer em apreciar as performances de pessoas tão simples quanto vencedoras.

A viagem de hoje - há que se entender assim o deslocamento dos bairros centrais até este rincão longínquo - foi o mais difícil dentre tantos que realizei, porque me desloquei até lá no horário do rush, e porque desabou uma tormenta diluviana por uma hora, que paralisou o já caótico trânsito de São Paulo. Foram duas horas e meia, quando normalmente se leva uma hora e meia. Ao meu redor, gente esfalfada pela desgastante jornada de trabalho, mas sem perder o bom humor nas conversas, ou o que é mais incrível, sem uma palavra de revolta diante da situação.

Conversei com meia dúzia de pessoas, que não faziam idéia de onde ficava o Batidão, o bar que faz as vezes de centro cultural e hospeda esses saraus. Na verdade, não viam a hora de chegar em casa, fazer a janta, ver alguma coisa na TV e se desligar até a madrugada seguinte, quando retomariam o duro ritual rumo ao trabalho. Tudo sem nenhuma graça. São percursos reais, vivenciados por milhões de paulistanos em busca de um lugar ao sol, e que são ignorados cotidianamente pelos meios de comunicação. De apenas uma boca, em meio a dezenas de viajantes no ônibus, ouvi uma fugaz referência sobre 'estes tempos de crise', e pude sentir que ele apenas reproduzia o que ouvia insistentemente das bocas midiáticas. Logo mudou de assunto, pelo dar de ombros de seus interlocutores, como se respondessem 'ora, quando foi que a gente da perifa não estivemos em uma crise?'...

Mas não há dor ou ressentimento nos olhares dessa gente sofrida e esquecida. Simplesmente mergulham num cotidiano áspero, sem novidades, que começa e termina em um ônibus, ao menos três horas por dia. Não têm forças para ler, apenas para uma conversa ligeira, quando o cansaço os derrubam en route. Acho uma pena que não conheçam os saraus da Cooperifa, pois os dois ou três que de cada ônibus deste conhecem e vão até lá, estes saem verdadeiramente transformados, convertidos para as letras. Porque não irão apenas uma vez, nem duas, mas com regularidade, e o que é 'pior', começarão a ler e fazer poemas!

A resultante disso é construção de uma consciência crítica poderosa, imune a qualquer crise, ou a qualquer hipocrisia. E os poetas tecem a rede da cidadania pelas periferias, levando a palavra para quem quer partilhar as leituras, e disseminando o conhecimento pela quebrada. É tão belo quanto difícil, mas aí está o verdadeiro caminho (ôpa!) trilhado por cada um, em comunhão com a coletividade!


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