23 setembro 2009

Ventos de Honduras




Os protestos callejeros prosseguem em Tegucigalpa e é difícil imaginar que se interrompam mesmo com o toque de recolher imposto pela ditadura de plantão. Há uma evidente perda de controle por parte das forças de segurança, que sequer conseguem conter os saques de alimentos. A embaixada brasileira está cercada e para dentro saltaram cerca de trezentos simpatizantes de Zelaya, receosos de sofrerem com a violência policial. Quem não conseguiu abrigo, é conduzido a três estádios, onde permanece em custódia. O número de detidos nesses locais chega, segundo o jornal Página 12, a 150 pessoas. Violência desatada, temperatura quente, resistência pronunciada, sobretudo com o regresso do presidente deposto Manuel Zelaya Rosales, ocorrida ontem. 

Quem quiser sentir o drama desses momentos, convido a ouvir a rádio Globo de Honduras, uma das poucas vozes que se opõem ao golpe de estado, defendendo o retorno do governo constitucional. É comum a rádio estabelecer contato por telefone com a população, e os depoimentos são emocionantes. São vozes que optam por se manifestar, de diversos rincões do país, seja para denunciar uma violência policial, para indicar que tipo de mobilização ocorre no local, ou apenas para se sinalizarem que ouvem a transmissão e apóiam o regime constitucional. Cheguei a ouvir mais de uma vez a palavra metamorfoseada em poesia, exprimindo o gesto ao alcance, cuja transmissão expõe uma postura moral comovente, que nos toca pela força e contundência moral.

São pessoas simples, que ousam ligar e se fazer ouvir, e dentro do tempo que possuem, conseguem dar o recado. A mensagem é inequívoca: estamos aqui e não fraquejaremos, contem conosco. É o alcance desse meio chamado rádio, a serviço do social, da consciência do que Benedict Anderson cunhou de comunidade imaginária. Nos dias de hoje, é num momento grave como este - a partir de um golpe de estado - que as consciências se voltam para aquilo que se esgarça, o sentido de coletividade constituído pela nação.
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Mas há outra Globo, a que insiste em apresentar esses acontecimentos em ebulição como um enfadonho jogo do campeonato da série B. A preocupação maior de seus porta-vozes (difícil aqui aplicar o termo jornalistas) é questionar se o governo brasileiro sabia que Zelaya estava a regressar a seu país. Uma questão de segunda categoria, que não exprime nada a não ser uma satisfação a nossa passividade, isso de estarmos conectados sem preocupação com a comunicação. Ao objetivar a população como um mercado de consumidores, nos propagam a notícia segundo o padrão "testar hipóteses" (uma meia verdade ou uma farsa atrás da outra), como se fôssemos milhões de Homers à espera da edição do Boner. Uma vez conectados - e só conectados - querem crer que só desejamos consumir um bolo de informações degustáveis. A notícia perde o seu impacto, nos chega mansa e sem gosto, em seu tom pasteurizado, sem surpresas. Um big mac a mais em nossas vidas...

Felizmente os acessos à informação e ao conhecimento proliferam pelas novas tecnologias, e a internet cumpre um papel importante ao oferecer o acesso a inúmeros jornais, revistas, rádios e TVs digitais, o que permite romper com esse processo de apatia induzida e tornar menos enfadonha a busca por informação e conhecimento. Temos disponível a interação mais dinâmica, que concorre com a conectividade passiva, consumista, oferecendo-nos o protagonismo de nosso destino e o entusiasmo da cidadania participante, como nos demonstra diariamente a rádio Globo de Honduras e seus ouvintes.

Estamos cada vez mais preparados para sair do marasmo imposto pelo sistema Big Brother, cujo apelo se desgasta e cujo brilho deixa de encantar quando as alternativas aparecem. E as alternativas estão cada vez mais ao nosso alcance.



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