03 setembro 2009

Basta



Digamos que o tempo passa e eu o sinto na saliva, cada vez mais espessa. Teria que perguntar à consciência quantas reprovações me reserva. Mas prefiro fazer-me de surdo.
A palavra inquietude preenche a realidade, como se fosse fumaça concentrada. A liberdade dá um cutucão na alma e não se tem mais remédio que ser livre. De todo modo, a cordura vigia e ameaça nos meter no curral da razão. O desconsolo nos consola e nos é impossível atraiçoar.
Por sorte não temos deuses que nos perdoem. Às vezes penso que a vida é um erro, mas claro, erro maior é a morte.
Entre o sonho e o pesadelo há um parêntesis em que nos formamos. Surge o sol e fazemos sombra. Sombra de ar e de febre, sombra de mistério.
Quem seria capaz de nos revelar e de nos rebelar. O pobre lago nos copia como fomos e depois se desfaz.
Basta de navegar no esquecimento. Basta de nos bendizer na chuva. Basta de não ser nada. Basta de que o prazer nos desconheça. Basta de conviver com a derrota.
Basta, carajo.

Mario Benedetti

(Extraído do original em espanhol Basta (Vivir Adrede), Madrid: Santillana Ediciones, 2009).



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