22 setembro 2009

Miles



Retirou-se do tablado mais cabisbaixo do que nas últimas apresentações, alheio aos aplausos frenéticos que não cessavam e aos primeiros fãs que o acolheram na coxia. Presenciei aqueles passos incertos, permeados por um olhar vago e insatisfeito. Alguma falha grave ocorrida ao longo do espetáculo já teria sido exposta a todos nós ali mesmo, nos corredores internos, sem que isso impedisse que o ânimo prevalecesse, regado a muita cerveja e fumaça. Naquele dia ele se esquivou em meio aos seus gestos gentis e buscou enfurnar-se nos camarins até que o movimento acalmasse. Fui uma das três testemunhas a presenciar sua introspecção, enquanto bebíamos e fumávamos sem muito entusiasmo.
Mais tarde, já no hotel, dispensou ainda no hall as duas amigas que nos acompanhavam e subimos ao apartamento. Serviu-se de uma dose dupla de scotch com gelo e sentou-se no braço do confortável sofá branco, olhando-me como se desejasse antecipar minhas reações. Foi então até o terraço e permaneceu um tempo observando silenciosamente o bulício distante dos automóveis na avenida e retornou com a expressão facial menos grave: O si maior não saiu hoje, Tom...
Era o desalento que se pronunciava, sem que sua confissão o deixasse mais sossegado. Uma nota que não alcançara, era tudo, a razão suficiente para permanecer à margem da vida, ensimesmado por um fracasso. Não tinha mais o que dizer, estava evidente, porém permaneceu estático a minha frente, sorvendo suavemente seu scotch, talvez apreciando meu silêncio. Não reagi ao seu comentário, como normalmente fazia, porque naquela circunstância não soube exatamente o que dizer.
Os minutos fluíram devagar, deixando-me atento ao tilintar das pedrinhas de gelo que fazia girar no copo, entre um gole e outro. Quando se retirou para o quarto, restou o ruído abafado do trânsito lá embaixo, que penetrava aproveitando-se das portas escancaradas do terraço, em meio às lufadas do vento outonal. Resignei-me ao cansaço, reavivando os sons discerníveis em meio a essa quase inconsciência entre uma lembrança e outra, entregue à agradável sensação de um trompete capaz de extrair todas as mais belas notas musicais...

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