20 junho 2009

Sobre a mediação inconsequente


Ainda uma vez os temas oriundos da América Latina passam despercebidos pelo oligopólio midiático constituído por aqui. A bem da verdade, e por mais paradoxal que pareça, nada nos separa mais do que a proximidade com esse oligopólio midiático. Nada nos fragiliza e nada nos assusta mais do que a naturalidade editorial do discurso da mídia corporativa. Para entendermos a constituição desse movimento, seria necessário entrarmos em detalhes que fogem ao objetivo desta postagem.

O que talvez seja importante destacar no momento é o duplo objetivo do oligopólio: difundir notícias amenas e objetivar lucro. E para alcançar esses dois objetivos, claro, eliminam (desconsiderando da pauta) todas as possíveis formas de resistência. Falo principalmente das formas mais dinâmicas de resistência coletiva, que aqui ou ali surgem como alternativa para o mainstream adocicado do pós-modernismo.


O oligopólio midiático eliminou há tempos a paciente elaboração de conceitos, abraçando o imediatismo espetacular, a celebridade, o frugal. Em outras palavras, a notícia, o entretenimento que tragam resultado ao investimento, que resultem em bom negócio. Falar da greve da USP ou da matança dos indígenas no Peru são temas ‘inconvenientes’... Melhor mostrar a bunda da mulher melancia ou especular sobre a barriguinha da Gisele Bündchen... tudo recheado com muito futebol e novela. O importante é a degustação fácil, como diria Bonner, ao alcance da família Homer.


Acabamos afastados das idéias construtivas (ou polêmicas) do mundo, ao passo que somos seduzidos pelas delícias efêmeras, no mais das vezes descartáveis. Esgarça-se a dimensão ética nas intermediações da realidade, sobrepondo-se a dimensão estética, em que tudo vale – e óbvio, tem o seu preço.


Nesse contexto, temos a América Latina transformada em galhofa, sem importância ou peso no mundo veloz, ágil e enxuto das metrópoles globais, e por isso representada em matizes jocosos, dentro de um registro de que nossa infinita bondade e atávica incompetência nos oferece a cruz do sofrimento, assim como o infortúnio pela inaptidão. Ao contrário, quando a notícia tem como tema a realidade estadunidense, europeia e asiática (especialmente nos países industrializados, Japão, China, Coréia) cola-se o discurso de respeitabilidade, de valorização à cultura da racionalidade tecnológica. É como se, correndo atrás de coelhos, poderíamos vislumbrar as saídas para nossas angústias...

Pois assim se edifica um padrão de qualidade. Nada de Chile ou Argentina, e quando é Venezuela, Equador ou Bolívia, a análise jornalística desaparece para dar lugar ao chiste preconceituoso, a avaliação desairosa, seja contra o leão de chácara Hugo Chávez, contra o cantor Correa, ou contra o índio Evo Morales. Desrespeito e intolerância cansativamente explícitos, persistentes, como se a insistência na condenação fosse aos poucos sinalizando às pessoas que todo nosso sofrimento e infortúnio se devem às políticas adotadas por esses governantes... 

Firmes nesta linha de análise, os oligopólios midiáticos subestimam a compreensão popular, produzindo uma mediação ficcional em relação à realidade cotidiana... Os recortes de edição querem impedir uma consciência crítica alternativa, de ruptura, obviamente porque isso não faz parte do negócio... porque a consciência crítica não tarda a questionar, seja no íntimo silencioso de cada reflexão, seja na amplitude das mobilizações sociais.

Não existe, para a vanguarda da modernidade líquida, qualquer consideração (ou quem sabe até conhecimento) pela história social de nosso continente, uma longa história feita de magia, sangue, luta, expropriação. Venezuela ou Bolívia, para tomarmos os exemplos mais vilipendiados pelo oligopólio midiático, não foram levadas à pobreza e ao subdesenvolvimento pelas classes populares, pelos Chávez e Morales, mas pelas classes dominantes de todos os tempos, que com seu modo peculiar de expropriação, locupletou-se com os dividendos de nossa riqueza.


Se prevaleceu o despotismo até aqui, que seja bem-vinda a construção de novas relações sociais, baseadas nas aspirações do ser humano e não na difusão da ganância a qualquer preço. Observar essa transição com um mínimo de equilíbrio seria um requisito fundamental para que os meios de comunicação começassem a compreender não as necessidades do mercado, mas as circunstâncias que regem o cotidiano da população. Isso significaria, deixar de se preocupar com a nova ordem econômica, e trazer (de volta) o debate para a análise dos nossos anseios, dos nossos problemas, das nossas virtudes.


E significa também dizer que já não basta se satisfazer com o lucro editorial, calcado em notícias amarradas por interesses cartoriais, análises socioeconômicas fantasiosas, em que os fins quem sabe justifiquem os meios. Que se considere, pois, a dolorosa ressaca que o descontrole do capitalismo tardio impôs ao mundo nos últimos meses...


Se os veículos de comunicação atrelados ao oligopólio midiático não aprenderam politicamente com os trágicos acontecimentos da louvada nova ordem liberal (conduzidos por um bando inescrupuloso de global-players, cujas fórmulas de eficiência foram jogadas na lata do lixo), estarão condenando a credibilidade da mediação entre o cidadão comum e o mundo.

A essa altura, não há motivo para se pensar apenas na mídia corporativa: toda e qualquer mídia despreocupada com a mediação séria e consequente dos fatos, não terá forças para seduzir quem quer que seja, nem para lucrar o que quer que seja.



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