07 junho 2009

Cortázar e a poesia



“(...) de certo modo a linguagem íntegra é metafórica, referendando a tendência humana à concepção analógica do mundo e o ingresso (poético ou não) das analogias nas formas de linguagem. Essa urgência de apreensão por analogia, de vinculação pré-científica, nascendo no homem desde suas primeiras operações sensíveis e intelectuais, é a que leva a suspeitar uma força, uma direção de seu ser até a concepção simpática, muito mais importante e transcendente do que todo racionalismo quer admitir”. (pg. 364)

“Por que é a imagem instrumento poético por excelência? (...) Por que anseia o poeta ser em outra coisa, ser outra coisa? O cervo é um vento escuro; o poeta, em sua ansiedade, parece esse cervo saído de si mesmo, que assume a essência do escuro vento”. (pg. 380)

“O poeta e suas imagens constituem e manifestam um só desejo de salto, de irrupção, de ser outra coisa”. (pg. 381)

“Em verdade, para o poeta angustiado, todo poema é um desencanto, um produto desvinculado de ambições profundas mais ou menos definidas, de um balbucio existencial que se agita e urge, e que só a poesia do poema (não o poema como produto estético) pode, analogicamente, evocar e reconstruir”. (pg. 381)

“Mas a poesia é canto, louvor. A ansiedade de ser surge confundida em um verso que celebra, que explica liricamente (...) A música verbal é ato catártico pelo qual a metáfora, a imagem se libera de toda referência significativa, para não aludir e não assumir senão a essência de seus objetos”. (pg. 383/384)

“Todo poeta parece haver sentido que cantar um objeto (um tema) equivalia a apropriar-se dele em essência; que só podia ir-se até outra coisa e ingressar nela pela via da celebração”. (pg. 385)

“Mas formas absolutas do ato poético, o conhecimento como tal (sujeito cognoscitivo e objeto conhecido) é superado pela direta fusão de essências: o poeta é o que anseia ser (dito em termos da obra: o poeta é seu canto)”. (pg. 388)

“O poeta, mago ontológico, lança sua poesia (ação sagrada, evocação ritual) até as essências que lhe são alheias, para apropriar-se delas.” (pg. 389)

“O poeta se transpõe poeticamente ao plano essencial da realidade; o poema e a imagem analógica que o nutre são a zona onde as coisas renunciam a sua solidão e se deixam habitar (...)”. (pg.390)


(Tradução de excertos do texto original Para una poética, que integra o livro Obra Crítica/2, Buenos Aires: Punto de Lectura, 2004)



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