13 maio 2009

Fragmentos (1)




Sentiu os primeiros indícios do cansaço de uma longa viagem, a infalível sensação de areia fina nos olhos a turvar a vista, o desejo de molhar o rosto, fechar os olhos, estatelar-se numa cama, vagar sem lógica de assunto a assunto até perder por umas boas horas a consciência... Sob o luar de uma noite quente de verão, uma vaga reminiscência acudiu-lhe os avós e primos desfrutando a varanda, brincadeiras imemoriais na rua sem asfalto, em tardes empoeiradas... Deixou-se levar por resgates longínquos, enquanto avançava sob os efeitos da aurora matinal. Tinha sido uma escolha preciosa deixar o trabalho para dedicar-se à memória pessoal, os fatos transformados em efemérides que jamais deixariam de fustigar-lhe, fazendo-o retroagir, vasculhar as lembranças a cada passo naquele rincão perdido geográfica e temporalmente, desgarrar-se da sua presença no mundo lançando-se de maneira concreta ao encontro das notícias que adormeciam recônditas nos cantos de Cambeville... a infância dobrando-se ao encontro do presente, ou o presente enganando-o sobre suas certezas da infância...


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