21 maio 2009

A dor do mundo


Em tempos de modernidade líquida, algumas expressões se destacam e sobressaem no vão esforço pelo que chamo de semântica do absoluto. Os meios de comunicação são os promotores por excelência dessa semântica, que pretende estabelecer um sentido genérico para temas complexos. Por exemplo, a utilização da palavra impacto e seus inúmeros contextos: o impacto no meio ambiente, o impacto na saúde pública, o impacto na economia... eis a palavrinha como aríete da formulação absoluta e do resultado patético. Sua utilização recorrente, demonstrando o mesmo senso abstrato de abrangência, faz com que meus sentidos cognitivos diluam seu efeito no nada.
Mas ontem ela retornou com força, quando experimentei de modo diverso seu significado. Um choque inesperado entre uma máquina e um homem de meia idade. Ele permaneceu estatelado no meio da avenida por uns minutos, ouvindo o zumbido estranho das estrelas, recompondo a consciência de mundo, tentando organizar as idéias. Pude prestar-lhe os primeiros socorros e aos poucos chegamos à calçada. A vida ao redor, sem ter parado totalmente, retomou sua volúpia rotineira. Enquanto sondava o homem em minha preocupação, notei sua expressão desolada, seu silêncio de quem não desejava outra coisa senão o refúgio de uma boa cama. Fiz duas ou três perguntas que caíram no vazio, não insisti. Como resultante do impacto sofrido, restava-lhe a compreensão de nossa mísera insignificância. Afastou-se aos poucos, tateando o solo em sua introspecção inviolável.
Nenhum dos passantes percebeu o homem comum que se afastava alquebrado, tentando retomar sua vida. Não era a dor física a que mais o afligia, mas a dor do mundo, que recai sobre nós após o impacto de uma desilusão.

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