15 dezembro 2023
Antônio Maria
09 dezembro 2023
Entre o Café Bohemia e o engodo político
O massacre em Gaza continua |
Dois dias corrigindo um conto, Café Bohemia, que integra o meu próximo livro, Cenas que se diluem com o tempo. Texto rápido, que se sustenta em uma apresentação do Jazz Messengers, de Art Blakey. No ambiente aparentemente normal do café, surge um ruído que atravessa a gravação, um casal que se manifesta um pouco acima do tom moderado e suas falas são parcialmente capturadas. O problema todo resumiu-se no tratamento desse episódio, que corre paralelo com a execução da música Alone Together, e ao saxofone de Hank Mobley.
O limite era o espaço da lauda, como se fosse um exercício de criação resumido em trinta linhas. E ocorreram hipóteses de desdobramento: e se o diálogo ríspido se expandisse para a caracterização mais detalhada do casal, o mal-estar propiciado por dado motivo que, sendo revelado aos poucos, trariam mais luz à vida deles. Logo me pareceu um tema excitante, mas que demandaria pesquisa e algum tempo para esboçar a personalidade e o mundo do homem e da mulher.
Um conto de pelo menos dez laudas, cujo desfecho ficaria em aberto. A narrativa manteve-se restrita a uma efêmera lauda, realçando os gestos, a sonoridade, cada frase, cada linha. Vejo o quão difícil é insinuar uma situação, em vez de descrevê-la em suas minúcias. O que, no início, elaborava-se como descrição de uma boa crônica situada no Café Bohemia, culminou em uma graça ligeira, de duvidosa qualidade.
-o-o-o-
Amanhã, toma posse Javier 'Motosserra' Milei, um desses tantos políticos medíocres de direita, que surgiram para prometer o fim da casta política, o fim do banco central, o fim da moeda argentina - e a consequente dolarização da economia, o fim do Estado como provedor de políticas públicas, e que, ao final das contas, preserva quase tudo e sinaliza o tamanho imenso da incógnita que vem pela frente. O ajuste econômico será forte, não se sabe ainda o alcance dos cortes, da eliminação dos subsídios.
Não se sabe por onde deverá se orientar seu governo - até aqui, mostra-se pateticamente atrelado a figuras nefastas como Macri e Bulrich, preenchendo os cargos de acordo com nomes conhecidos e pouco alentadores, como o ministro da defesa, Luis Petri, ou o diretor do banco Central, Santiago Bausili, amigo de Toto Caputo, o futuro ministro da economia que já havia ocupado o mesmo cargo na gestão Macri.
Bausili respondia um processo na justiça (já cancelado), por delito de "negociações incompatíveis com o exercício da função pública". Ou seja, continuidade das políticas de favorecimento das corporações, e nenhuma grande expectativa a não ser ajustes tarifários e arrochos salariais para a grande massa. Se ela desejava mudanças radicais ao votar em Milei, terá mais do mesmo, e da pior qualidade.
***
Chegamos à postagem 800 deste blog, em pouco mais de 15 anos de atividade ininterrupta! Sem dúvida, uma agradável surpresa e uma enorme alegria! Mas principalmente uma conquista, com um trabalho contínuo, cuidadoso, que nos anima a prosseguir em frente, com o maior carinho e dedicação.
05 dezembro 2023
Diálogos - Selo PPGCOM UFMG
Nesta quinta-feira, 07 de
dezembro, participo de uma agradável conversa ao vivo, promovida pelo Selo
PPGCOM da Universidade Federal de Minas Gerais, juntamente com a pesquisadora
Ana Karina, da UFMG.
A live será realizada pela
plataforma StreamYard a partir das 17h e exibida ao vivo pelo canal do YouTube do PPGCOM/ UFMG (https://www.youtube.com/
A
live será composta pelos convidados Ana Karina (O aparecimento público de
pixadores) e Marco Antonio Bin (As redes de escrituras nas periferias de
São Paulo), e mediada por Bruno Martins.
A proposta é uma fala de até 15 minutos para cada obra escolhida e seus respectivos autores/organizadores. O objetivo é colocar em discussão o tema Cidade a partir das obras.
Em seguida será realizado um debate com perguntas da mediação e da participação do público espectador.
Você está convidado a participar!
30 novembro 2023
Thiago de Mello - uma poesia
Thiago de Mello |
O pão de cada dia
Que o pão encontre na boca
o abraço de uma canção
construída no trabalho.
Não a fome fatigada
de um suor que corre em vão.
Que o pão do dia não chegue
sabendo a travo de luta
e a troféu de humilhação.
Que seja a benção da flor
festivamente colhida
por quem deu ajuda ao chão.
Mais do que flor, seja fruto
que maduro se oferece,
sempre ao alcance da mão.
Da minha e da tua mão.
(Valparaíso, janeiro de 63)
23 novembro 2023
Histórias que o povo conta
Foi quando, inopinadamente para o público do Leblon e adjacências, se materializou a descida dos morros para o asfalto, a ponta de lança vinda do Vidigal. A princípio poucos podiam dizer de onde vinham aqueles desgarrados, organizados sim, pela maneira como distribuíam seu ódio pelo silêncio com que haviam sido guardados até então. Depois de disparar nos estabelecimentos de comércio elegante, nos bancos, nos edifícios luxuosos, recolheram mais de duzentos reféns e retornaram ao seu território. O público, ou mais precisamente, a audiência global, se escandalizou com o fato daqueles famélicos despossuídos, gente feia e ignorante, tivesse ousado descer de seu confinamento para mostrar a cara de sua patética existência. O que desejavam, por que essa ação intempestiva, marcada por uma violência inexplicável? Aos poucos, as lideranças da cidade passaram a ocupar os espaços midiáticos, e do estupor inicial, consideraram a ação como algo inaceitável para o cidadão de bem, e que as medidas repressivas não tardariam. As forças de segurança se incumbiram rapidamente de formular um plano de invasão, O inimigo pagará um preço que nunca conheceu, afirmou nas redes digitais o governador, descartando qualquer possibilidade de negociação política. O secretário de segurança, incumbido de distribuir suas forças, dividiu o Vidigal em três partes, e juntamente com o comando militar, elaborou um plano de ataque. A parte fronteiriça ao Leblon teria de ser evacuada em 24 horas, e apenas um posto de controle para a saída de civis foi montado, enquanto os helicópteros voavam metralhando os setores que a inteligência militar havia identificado como locais de presença dos bandidos. O problema era o que fazer para poupar os reféns, mas os mais duros do estado maior insistiam que não poderiam hesitar. O ataque foi brutal e, o que as narrativas preservadas registram, o público acompanhou em tempo real a devastação do Vidigal, com milhares de crianças assassinadas, casas destruídas, toda uma comunidade arrasada, ainda que os discursos oficiais relativizassem a destruição. Em mais de um mês de operações militares, o morro ficou com uma aparência lunar, sem qualquer barraco de pé, mais arruinado que Belo Monte após a quarta expedição, conforme atestam as imagens feitas pelos moradores da própria comunidade, que terminou ocupada pelo exército. Nas palavras de um analista da época, "Na verdade, o Sertão nada difere do Afeganistão ou de Gaza, a ordem hegemônica e seus direitos invioláveis não podem ser questionados. Quando o medo alcançou o auge, a combalida comunidade foi paulatinamente exterminada, para a satisfação de interesses personalistas e imediatos".
18 novembro 2023
Como se nada acontecesse
acontece em Nápoles... |
Como se tudo estivesse às mil maravilhas. O grande capital que movimenta a indústria do entretenimento organiza seus espetáculos de massa como se cada um fosse uma reunião de Nuremberg, onde prevalece a grandiosidade estética de cada evento. Não há preocupação com os possíveis pequenos problemas, que afete algumas pessoas durante o espetáculo, ou todas antes e após sua ocorrência. Não há qualquer adaptação ao momento climático por que passamos nesta semana, ou seja, uma onda de calor que tem elevado as temperaturas para mais de 35.C em São Paulo, em plena primavera. Os grandes eventos cobram de seus consumidores preços exorbitantes, que são pagos sem questionamento. Os fãs, no caso dos shows artísticos, ou os torcedores, nos encontros esportivos, aceitam enfrentar filas enormes, e a exclusividade (cara) dos produtos vendidos no interior desses espaços, explorados por empresas que também pagam para estar lá. Não há conforto na chegada, nem preocupação com isso. Repito, tudo pensado em termos massificados, o público se dirige para este ou aquele setor, parcelas da massa que são orientadas em seu conjunto. O mal-estar de um ou de outro, ou a possível morte de um fã - como ocorreu ontem no show de Taylor Swift - fazem parte de uma estatística desprezível e cujo transtorno é logo superado com uma declaração de pesar dos organizadores. E a grande mídia morde a isca e se satisfaz em ser pescada pelos grandes lobbies do entretenimento. Um grande foda-se.
O fim do espetáculo é pior, é um salve-se quem puder, do modo que for possível. Todos de automóvel, nada de transporte de massas, já que está nas massas o interesse pela mais-valia do investimento. Caos. E o calor. E eventualmente os espetáculos que se entrechocam, como uma grande peça de teatro e uma partida de futebol, separados por algumas quadras. Para esses organizadores, fútil é pensar no inconveniente dessas saídas conjuntas. Fútil é pensar nas filas homéricas para a compra de ingressos, ainda que em parte seja feita pelas redes sociais. Fúteis são as baixas, os poucos casos de insolação ou falta de ar, porque tudo é pensado na grandiosidade das massas reunidas, no sucesso visível do evento, mostrado pelas câmeras de televisão, pela replicação das imagens dos celulares. Fúteis são as entrevistas que destacam das massas, dos amantes do espetáculo, e fazem circular nas redes como algo espetacular. O lucro estrondoso de todos passa por cima da alegria momentânea dos fãs, e cala a todos como se tudo estivesse funcionando perfeitamente, como se nada de desagradável acontecesse.
A Faixa de Gaza continua sob intenso ataque das FDI, Forças de Defesa Israelense, uma metáfora mais do que adequada para um exército invasor que não se preocupa com as baixas que provoca, nem com a destruição que realiza com suas bombas inteligentes. O cenário desse território é desolador, e sob circunstâncias normais, atingiria o bom-senso dos governantes do mundo, a começar pelos que patrocinam essa chacina, os de Israel e dos EUA. Mas não se trata de circunstâncias normais, há um desejo insano por guerra, e as consequências que venham depois. Uma crueldade poucas vezes assistida ao vivo pelo mundo. Ainda que milhares de pessoas se insinuem contra esse massacre desatado, com massivas passeatas nas principais capitais da Europa e dos Estados Unidos, é como se nada acontecesse. Um silêncio por demais incômodo. As vozes que se levantam em defesa da Palestina são fortemente reprimidas, como o caso de Roger Waters, que teve suas reservas hoteleiras canceladas em Montevidéu e Buenos Aires, ou Lula, muito cobrado quando se indignou com o terrorismo de estado praticado pelo exército de Israel.
Disse Netanyahu, "Estamos tentando fazer, o mínimo de vítimas civis, mas infelizmente não temos sucesso". E ponto, fica por isso mesmo. Netanyahu segue sendo o bom vilão, a serviço do bem. Isso não parece que irá acabar proximamente, e nada se pode dizer sobre como ficará o território palestino, se livre e ajudado pelo mundo em sua reconstrução, ou se abandonado às forças de ocupação, mantendo os escombros como um alerta para que os palestinos jamais se insurjam contra a ocupação. Seja como for, um mundo distópico e violento, um mundo de poucas oportunidades e hipócrita quanto ao sentido da democracia. Um brutal silêncio cemiterial nos perpassa, cujos interesses coletivos se resumem ao juntar-se, como massa despossuída, para reunir-se em um espetáculo. Como se nada de mais acontecesse.
14 novembro 2023
Desandar
Desandar
Por Maria Sergia Martín Gonzalez
Foi mamãe quem
assegurou ter escutado três golpes no caixão, justo no instante em que se
derramou a primeira pá de terra. Ainda que algumas vizinhas tenham tratado em tranquilizá-la, porque entendia sua dor, ela gritou aos coveiros que abrissem
de imediato o ataúde. A contragosto aceitaram, enquanto se fazia silêncio no
cemitério. Dentro, papai, vestido com o melhor de seus trajes, recebia o ar
fresco com um amplo sorriso e um pouco de rouquidão. Em vida, sempre havia sido
um homem cordial e afável e, quando chegava o outono, sua garganta se
acostumava a ressentir-se. Bem-vindo, de novo, maldito outono!, foi a primeira
coisa que disse. Ajudamos com que se juntasse entre mamãe, don Anselmo,
o velho pároco, e eu, enquanto sacudíamos de sua roupa a areia e as pétalas de
rosa que tínhamos depositado no interior do caixão. Mamãe, que tinha os olhos
empapados de lágrimas por voltar a ouvi-lo, disse bem incomodada que, se aquilo fosse outra de suas brincadeiras, tinha muita pouca graça, pois tinham vindo todos
os vizinhos, os amigos das partidas das tardes, suas amigas de trabalhos manuais, e
até Paquita Peña, a que – segundo se dizia no bairro – era uma filha secreta de
mamãe.
Papai pediu perdão a
todos ali reunidos pelo transtorno de ter que devolver as dúzias de buquês e
coroas que tinham enviado para a despedida. Se desculpou com afeto de seus
companheiros de cartas por não poder acabar o torneio e deu uma piscada a
Paquita Peña. Dizem que o ouviram dizer que cuidou de sua verdadeira mãe e que
não fizesse caso das fofocas sem sentido. Logo beijou mamãe nos lábios e
explicou que tinha esquecido algo muito importante. Que não sabia muito bem o
que era, mas que necessitava recuperá-lo, antes de encomendar o sono eterno. Não
teve maneira de fazê-lo recuperar a razão, nem sequer quando dissemos que tia
Margarita estava sendo trasladada ao hospital, depois de desmaiar ao vê-lo sair
do caixão. Um enfarte, creio que afirmou um dos profissionais de saúde. Grande
susto levou a pobre mulher. Depois de velar durante a noite e fartar-se de
chorar com mamãe enquanto o cuidava da mortalha, parece que seu machucado e
desidratado coração não pôde resistir a novas emoções.
Já em pé, papai tomou mamãe pelo braço e a mim estendeu a mão como costumava fazer sempre que me levava ao parque. Perguntou se queríamos acompanhá-lo a desandar parte de seu caminho. Eu o olhei assim como se olha a um homem mágico, capaz de conseguir que os pássaros do céu voassem para trás, ou que a chuva, no lugar de cair e se espalhar, subisse até as nuvens e deixasse seco o solo. Confesso que, apesar de não entender muito bem o que queria dizer, assenti entusiasmado só em poder passar mais tempo com ele. Mamãe o apertou contra seu peito e os três começamos a desandar juntos. Desandar, disse, é como desfazer um caminho feito com anterioridade. No começo, resultou complicado isso de colocar um pé detrás do outro e retroceder sem tropeçar, sobretudo mamãe, mas quando descaminhamos os primeiros passos, parecia que tínhamos feito a vida toda.
Mamãe protestou um
pouco, mas a mim foi divertido isso de voltar atrás. E assim, descaminhando,
regressamos à funerária. Ainda perguntamos se alguém havia encontrado algo, mas ele
disse que não estava ali o que buscava. Continuamos desandando até os últimos
meses de hospital, até o caminho que levava aos balanços do parque, a suas
partidas de cartas pela tarde, a nossa casa... Logo que entramos, comecei a
chorar porque me sentia cansado e tinha fome. Mamãe me tomou nos braços, me deu
a teta e me deixou dormindo no berço. Papai buscou e rebuscou em caixotes e
armários, mas tampouco o encontrou. Quando saíram, senti como um desvanecimento
que me fez converter em uma pequena partícula cósmica e me elevar por cima das
nuvens. Eu os vi retroceder até a igreja onde ambos prometeram amor eterno. Que
bonita estava mamãe, vestida de branco e ele, que elegante e jovial.
No mesmo altar, se
despediu de mamãe e continuou descaminhando sozinho até a fábrica onde
trabalhou toda sua vida, à estação de ônibus que o trouxe à cidade, ao lugarejo
que tanto adorava, a sua festa de comunhão, aos jogos de rua... Na praça, em
frente a um casarão branco de telhas azuis, o mesmo que durante anos nos havia
desenhado com palavras, crianças brincavam de amarelinha. O menor o convidou a
se aproximar. Papai negou com a cabeça, disse que não podia, que antes devia
recuperar algo muito importante para ele e empurrou o portão com decisão.
Dentro, uma mulher jovem e bonita preparava o almoço. Correu a abraçá-la pelos joelhos com seus pequenos braços.
- Mãe!
- Apronte-se,
querido, ou você se atrasará para o primeiro dia de aula.
(traduzido do original em espanhol Desandar, https://www.zendalibros.com/ganadora-y-finalistas-del-concurso-de-relatos-surrealismopuro/)
Cristina Peri Rossi
Para que yo pudiera amarte
los españoles tuvieron que
conquistar América
y mis abuelos
huir de Génova en un barco
de carga.
Para que yo pudiera amarte
Marx tuvo que escribir El
Capital
y Neruda, la Oda a
Leningrado.
Para que yo pudiera amarte
en España hubo una guerra
civil
y Lorca murió asesinado
después de haber viajado a
Nueva York.
Para que yo pudiera amarte
Virgínia Wolf tuvo que
escribir Orlando
Y Charles Darwin viajar al
río de la Plata
Para que yo pudiera amarte
Catulo se enamoró de Lesbia
y Romeo, de Julieta
Ingrid Bergman filmó
Stromboli
y Pasolini, los Cien Días
de Saló.
Para que yo pudiera amarte,
Lluís Llach tuvo que cantar
Els Segadors
y Milva, los poemas de
Bertolt Brecht.
Para que yo pudiera amarte
alguien tuvo que plantar un
cerezo
en la tapia de tu casa
y Garibaldi pelear en
Montevideo.
Para que yo pudiera amarte
las crisálidas se hicieron
mariposas
y los generales tomaron el
poder.
Para que yo pudiera amarte
tuve que huir en barco de
la ciudad donde nací
y tú combatir a Franco.
Para que nos amáramos, al
fin,
ocurrieron todas las cosas de este mundo
y desde que no nos amamos
sólo existe un gran
desorden.
(créditos: https://youtu.be/vb-FSZoelrg?si=7gHc7q5DjrvjyA60
06 novembro 2023
Embates, combates
Expulsão dos palestinos, 1948 |
A segunda-feira começa ensolarada, temperatura em torno de 22º.C. Seguem os ataques israelenses em Gaza, com uma violência inaudita, sem qualquer perspectiva de alguma trégua. Várias agências da ONU, em declaração conjunta, apelaram a um "cessar-fogo humanitário imediato", que por certo serão ignorados pelo Departamento de Estado e pelo governo israelense. O problema parece ser a completa ausência de limites à ofensiva das FDI, ignorando a população civil, ou confundindo-a com os combatentes do Hamas. Segundo o comunicado, Toda uma população está sitiada e sob ataque, sem acesso aos bens essenciais para a sobrevivência, bombardeada nas suas casas, abrigos, hospitais e locais de culto. Isso é inaceitável. A grande questão que ainda nem se esboça no horizonte longínquo: em que condições se dará a reconstrução de Gaza?
Verifico pessoalmente a penetração da retórica ameaçadora israelense: no sábado, após o ato em apoio à Palestina, encontrei com um casal portando bandeiras palestinas. Perguntei se podiam me dar uma e o rapaz, de maneira solícita, entregou a que levava pendurada no corpo. Tomei o metrô, encontrei Moniquinha, participei de um belo lanche da tarde com sua família e na volta, ela me pediu para não levar a bandeira (dobrada), pois poderia ser perigoso.
Massa e Milei continuam suas campanhas para a presidência da Argentina, e por mais que me informe com os índices das pesquisas, não consigo ter uma informação concludente, pois há diferenças nos resultados. A última, da consultoria Analogías, divulgada pelo jornal Página12, mostra Massa com 42,4% e Milei com 39,7%, com mais de 12% de indecisos. Essa diferença já foi de 8 pontos há dez dias, e certamente se reduziu em função do apoio de Pato Bullrich e de uma parcela de Juntos por el Cambio. Preocupa que o ultraliberal não perca popularidade mesmo com seus atos estúpidos. Ao contrário, seus momentos de choro e de agressividade parecem cair bem na avaliação de uma parte da população. Fora esses momentos bizarros, nada acontece de substancial para uma redução tão acentuada em tão pouco tempo. Nada consegue deter o impulso da imbecilização coletiva.
Nesse sentido, contribuem atores como Macri, que sobe à ribalta tal como um boneco teleguiado, para proferir suas certezas, atacar o peronismo e cumprir com as ordens da central a que se submete, no mínimo para criar o caos, ou para ajudar a preservar a hegemonia do poder real. Tem desempenhado tais propósitos com esmero. Mesmo que sua fala seja torpe e sem substância, tem garantido o espaço midiático e, sem nunca se alterar, profere os argumentos que, repetidos à exaustão, acabam assimilados, talvez como verdades ineludíveis.
Por representar a nata do poder econômico e midiático, sua imagem fornece confiabilidade. Sem um filtro crítico considerável, que questione seu governo e seus atos, suas palavras tornam-se palatáveis para uma parcela que deseja mudança - sem compreender que esse não é o caminho de qualquer mudança! Subindo ao proscênio no momento mais delicado da campanha presidencial, guindado sabe-se lá por quantas mãos e cérebros poderosos, para além de ser um homem do mercado, Macri é um homem do sistema, com o mais absoluto apoio das corporações jurídico-midiático-financeiras.
01 novembro 2023
Os espectros liberais e o peronismo
22 outubro 2023
Argentina: os próximos passos
A esperança de que nosso Norte continue sendo o Sul |
Uma inquietude nos atravessa a todos: o risco de colhermos uma amarga derrota amanhã, nas eleições argentinas. Como tem sido corriqueiro nos pleitos dos últimos anos, na América Latina, o espantalho assustador da direita ressurge de suas fundas trevas, mais ameaçadora, mais ignóbil, mais empolada, propondo suas soluções esdrúxulas, política e economicamente irrealizáveis, e que estão mais de acordo com as normas do pacto com a violência, sem qualquer apego ao diálogo, em que a sociedade, manipulada pela retórica grosseira, entrega seu destino às vozes que a desejam destruir. No contexto da crise política e da inflação galopante, as vagas promessas de solução, de uma nova era, sem corrupção, sem Estado, sem subsídios, consegue capturar corações e mentes, principalmente - e isso me impressiona - de jovens.
Na quinta-feira, assisti a uma palestra da socióloga Verónica Gago, que nos mostrou de um lado o processo de mobilização feminista no enfrentamento da crise e de outro, o tamanho do buraco criado pela financeirização do capital, aprofundando o endividamento das famílias. O crédito sem a mediação salarial tornou-se uma alternativa desesperada para as famílias ao menos subsistirem, "envididarse para vivir". O quadro atual não indica uma solução a curto prazo para a inflação, hoje em torno de 120% ao ano. As perspectivas de estabilidade econômica, e o consequente apaziguamento social e político, serão mais satisfatórios quanto mais sério for o cronograma da governabilidade, abrangendo a grande parcela da população, menos favorecida, recompondo os programas sociais, a preservação do poder de compra dos trabalhadores e aposentados, os direitos trabalhistas, de moradia etc.
Em outras palavras, a opção mais sensata no momento seria a vitória de Sergio Massa, da coalizão Unión por la Patria. Ainda que seja ministro da economia de um governo que falhou ou se omitiu em muitos aspectos, é o candidato que reúne mais serenidade, e talvez capacidade, para desenvolver um projeto de contemple algum tipo de pacificação nacional e que possa gerar desenvolvimento econômico sem graves rupturas. Torço muito para que a Argentina encontre o espírito de sua seleção de futebol, unida e determinada a jogar do modo mais eficiente para vencer. Como na poesia de Benedetti, cantamos porque llueve sobre el surco/ y somos militantes de la vida/ y porque no podemos ni queremos/ dejar que la canción se haga ceniza.
19 outubro 2023
As ternas memórias de Julio Escobar
08 outubro 2023
Por que não haverá solução
05 outubro 2023
15 anos!
29 setembro 2023
No pasó
Salvador Allende não existiu |