18 novembro 2023

Como se nada acontecesse

 

acontece em Nápoles...

Como se tudo estivesse às mil maravilhas. O grande capital que movimenta a indústria do entretenimento organiza seus espetáculos de massa como se cada um fosse uma reunião de Nuremberg, onde prevalece a grandiosidade estética de cada evento. Não há preocupação com os possíveis pequenos problemas, que afete algumas pessoas durante o espetáculo, ou todas antes e após sua ocorrência. Não há qualquer adaptação ao momento climático por que passamos nesta semana, ou seja, uma onda de calor que tem elevado as temperaturas para mais de 35.C em São Paulo, em plena primavera. Os grandes eventos cobram de seus consumidores preços exorbitantes, que são pagos sem questionamento. Os fãs, no caso dos shows artísticos, ou os torcedores, nos encontros esportivos, aceitam enfrentar filas enormes, e a exclusividade (cara) dos produtos vendidos no interior desses espaços, explorados por empresas que também pagam para estar lá. Não há conforto na chegada, nem preocupação com isso. Repito, tudo pensado em termos massificados, o público se dirige para este ou aquele setor, parcelas da massa que são orientadas em seu conjunto. O mal-estar de um ou de outro, ou a possível morte de um fã - como ocorreu ontem no show de Taylor Swift - fazem parte de uma estatística desprezível e cujo transtorno é logo superado com uma declaração de pesar dos organizadores. E a grande mídia morde a isca e se satisfaz em ser pescada pelos grandes lobbies do entretenimento. Um grande foda-se. 

O fim do espetáculo é pior, é um salve-se quem puder, do modo que for possível. Todos de automóvel, nada de transporte de massas, já que está nas massas o interesse pela mais-valia do investimento. Caos. E o calor. E eventualmente os espetáculos que se entrechocam, como uma grande peça de teatro e uma partida de futebol, separados por algumas quadras. Para esses organizadores, fútil é pensar no inconveniente dessas saídas conjuntas. Fútil é pensar nas filas homéricas para a compra de ingressos, ainda que em parte seja feita pelas redes sociais. Fúteis são as baixas, os poucos casos de insolação ou falta de ar, porque tudo é pensado na grandiosidade das massas reunidas, no sucesso visível do evento, mostrado pelas câmeras de televisão, pela replicação das imagens dos celulares. Fúteis são as entrevistas que destacam das massas, dos amantes do espetáculo, e fazem circular nas redes como algo espetacular. O lucro estrondoso de todos passa por cima da alegria momentânea dos fãs, e cala a todos como se tudo estivesse funcionando perfeitamente, como se nada de desagradável acontecesse.

A Faixa de Gaza continua sob intenso ataque das FDI, Forças de Defesa Israelense, uma metáfora mais do que adequada para um exército invasor que não se preocupa com as baixas que provoca, nem com a destruição que realiza com suas bombas inteligentes. O cenário desse território é desolador, e sob circunstâncias normais, atingiria o bom-senso dos governantes do mundo, a começar pelos que patrocinam essa chacina, os de Israel e dos EUA. Mas não se trata de circunstâncias normais, há um desejo insano por guerra, e as consequências que venham depois. Uma crueldade poucas vezes assistida ao vivo pelo mundo. Ainda que milhares de pessoas se insinuem contra esse massacre desatado, com massivas passeatas nas principais capitais da Europa e dos Estados Unidos, é como se nada acontecesse. Um silêncio por demais incômodo. As vozes que se levantam em defesa da Palestina são fortemente reprimidas, como o caso de Roger Waters, que teve suas reservas hoteleiras canceladas em Montevidéu e Buenos Aires, ou Lula, muito cobrado quando se indignou com o terrorismo de estado praticado pelo exército de Israel. 

Disse Netanyahu, "Estamos tentando fazer, o mínimo de vítimas civis, mas infelizmente não temos sucesso". E ponto, fica por isso mesmo. Netanyahu segue sendo o bom vilão, a serviço do bem. Isso não parece que irá acabar proximamente, e nada se pode dizer sobre como ficará o território palestino, se livre e ajudado pelo mundo em sua reconstrução, ou se abandonado às forças de ocupação, mantendo os escombros como um alerta para que os palestinos jamais se insurjam contra a ocupação. Seja como for, um mundo distópico e violento, um mundo de poucas oportunidades e hipócrita quanto ao sentido da democracia. Um brutal silêncio cemiterial nos perpassa, cujos interesses coletivos se resumem ao juntar-se, como massa despossuída, para reunir-se em um espetáculo. Como se nada de mais acontecesse. 


 

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