Desandar
Por Maria Sergia Martín Gonzalez
Foi mamãe quem
assegurou ter escutado três golpes no caixão, justo no instante em que se
derramou a primeira pá de terra. Ainda que algumas vizinhas tenham tratado em tranquilizá-la, porque entendia sua dor, ela gritou aos coveiros que abrissem
de imediato o ataúde. A contragosto aceitaram, enquanto se fazia silêncio no
cemitério. Dentro, papai, vestido com o melhor de seus trajes, recebia o ar
fresco com um amplo sorriso e um pouco de rouquidão. Em vida, sempre havia sido
um homem cordial e afável e, quando chegava o outono, sua garganta se
acostumava a ressentir-se. Bem-vindo, de novo, maldito outono!, foi a primeira
coisa que disse. Ajudamos com que se juntasse entre mamãe, don Anselmo,
o velho pároco, e eu, enquanto sacudíamos de sua roupa a areia e as pétalas de
rosa que tínhamos depositado no interior do caixão. Mamãe, que tinha os olhos
empapados de lágrimas por voltar a ouvi-lo, disse bem incomodada que, se aquilo fosse outra de suas brincadeiras, tinha muita pouca graça, pois tinham vindo todos
os vizinhos, os amigos das partidas das tardes, suas amigas de trabalhos manuais, e
até Paquita Peña, a que – segundo se dizia no bairro – era uma filha secreta de
mamãe.
Papai pediu perdão a
todos ali reunidos pelo transtorno de ter que devolver as dúzias de buquês e
coroas que tinham enviado para a despedida. Se desculpou com afeto de seus
companheiros de cartas por não poder acabar o torneio e deu uma piscada a
Paquita Peña. Dizem que o ouviram dizer que cuidou de sua verdadeira mãe e que
não fizesse caso das fofocas sem sentido. Logo beijou mamãe nos lábios e
explicou que tinha esquecido algo muito importante. Que não sabia muito bem o
que era, mas que necessitava recuperá-lo, antes de encomendar o sono eterno. Não
teve maneira de fazê-lo recuperar a razão, nem sequer quando dissemos que tia
Margarita estava sendo trasladada ao hospital, depois de desmaiar ao vê-lo sair
do caixão. Um enfarte, creio que afirmou um dos profissionais de saúde. Grande
susto levou a pobre mulher. Depois de velar durante a noite e fartar-se de
chorar com mamãe enquanto o cuidava da mortalha, parece que seu machucado e
desidratado coração não pôde resistir a novas emoções.
Já em pé, papai tomou mamãe pelo braço e a mim estendeu a mão como costumava fazer sempre que me levava ao parque. Perguntou se queríamos acompanhá-lo a desandar parte de seu caminho. Eu o olhei assim como se olha a um homem mágico, capaz de conseguir que os pássaros do céu voassem para trás, ou que a chuva, no lugar de cair e se espalhar, subisse até as nuvens e deixasse seco o solo. Confesso que, apesar de não entender muito bem o que queria dizer, assenti entusiasmado só em poder passar mais tempo com ele. Mamãe o apertou contra seu peito e os três começamos a desandar juntos. Desandar, disse, é como desfazer um caminho feito com anterioridade. No começo, resultou complicado isso de colocar um pé detrás do outro e retroceder sem tropeçar, sobretudo mamãe, mas quando descaminhamos os primeiros passos, parecia que tínhamos feito a vida toda.
Mamãe protestou um
pouco, mas a mim foi divertido isso de voltar atrás. E assim, descaminhando,
regressamos à funerária. Ainda perguntamos se alguém havia encontrado algo, mas ele
disse que não estava ali o que buscava. Continuamos desandando até os últimos
meses de hospital, até o caminho que levava aos balanços do parque, a suas
partidas de cartas pela tarde, a nossa casa... Logo que entramos, comecei a
chorar porque me sentia cansado e tinha fome. Mamãe me tomou nos braços, me deu
a teta e me deixou dormindo no berço. Papai buscou e rebuscou em caixotes e
armários, mas tampouco o encontrou. Quando saíram, senti como um desvanecimento
que me fez converter em uma pequena partícula cósmica e me elevar por cima das
nuvens. Eu os vi retroceder até a igreja onde ambos prometeram amor eterno. Que
bonita estava mamãe, vestida de branco e ele, que elegante e jovial.
No mesmo altar, se
despediu de mamãe e continuou descaminhando sozinho até a fábrica onde
trabalhou toda sua vida, à estação de ônibus que o trouxe à cidade, ao lugarejo
que tanto adorava, a sua festa de comunhão, aos jogos de rua... Na praça, em
frente a um casarão branco de telhas azuis, o mesmo que durante anos nos havia
desenhado com palavras, crianças brincavam de amarelinha. O menor o convidou a
se aproximar. Papai negou com a cabeça, disse que não podia, que antes devia
recuperar algo muito importante para ele e empurrou o portão com decisão.
Dentro, uma mulher jovem e bonita preparava o almoço. Correu a abraçá-la pelos joelhos com seus pequenos braços.
- Mãe!
- Apronte-se,
querido, ou você se atrasará para o primeiro dia de aula.
(traduzido do original em espanhol Desandar, https://www.zendalibros.com/ganadora-y-finalistas-del-concurso-de-relatos-surrealismopuro/)
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