09 dezembro 2023

Entre o Café Bohemia e o engodo político


O massacre em Gaza continua

 

Dois dias corrigindo um conto, Café Bohemia, que integra o meu próximo livro, Cenas que se diluem com o tempo. Texto rápido, que se sustenta em uma apresentação do Jazz Messengers, de Art Blakey. No ambiente aparentemente normal do café, surge um ruído que atravessa a gravação, um casal que se manifesta um pouco acima do tom moderado e suas falas são parcialmente capturadas. O problema todo resumiu-se no tratamento desse episódio, que corre paralelo com a execução da música Alone Together, e ao saxofone de Hank Mobley. O limite era o espaço da lauda, como se fosse um exercício de criação resumido em trinta linhas. E ocorreram hipóteses de desdobramento: e se o diálogo ríspido se expandisse para a caracterização mais detalhada do casal, o mal-estar propiciado por dado motivo que, sendo revelado aos poucos, trariam mais luz à vida deles. Logo me pareceu um tema excitante, mas que demandaria pesquisa e algum tempo para esboçar a personalidade e o mundo do homem e da mulher. Um conto de pelo menos dez laudas, cujo desfecho ficaria em aberto. A narrativa manteve-se restrita a uma efêmera lauda, realçando os gestos, a sonoridade, cada frase, cada linha. Vejo o quão difícil é insinuar uma situação, em vez de descrevê-la em suas minúcias. O que, no início, elaborava-se como descrição de uma boa crônica situada no Café Bohemia, culminou em uma graça ligeira, de duvidosa qualidade.

Amanhã, toma posse Javier 'Motosserra' Milei, um desses tantos políticos medíocres de direita, que surgiram para prometer o fim da casta política, o fim do banco central, o fim da moeda argentina - e a consequente dolarização da economia, o fim do Estado como provedor de políticas públicas, e que, ao final das contas, preserva quase tudo e sinaliza o tamanho imenso da incógnita que vem pela frente. O ajuste econômico será forte, não se sabe ainda o alcance dos cortes, da eliminação dos subsídios. Não se sabe por onde deverá se orientar seu governo - até aqui, mostra-se pateticamente atrelado a figuras nefastas como Macri e Bulrich, preenchendo os cargos de acordo com nomes conhecidos e pouco alentadores, como o ministro da defesa, Luis Petri, ou o diretor do banco Central, Santiago Bausili, amigo de Toto Caputo, o futuro ministro da economia que já havia ocupado o mesmo cargo na gestão Macri. Bausili respondia um processo na justiça (já cancelado), por delito de "negociações incompatíveis com o exercício da função pública". Ou seja, continuidade das políticas de favorecimento das corporações, e nenhuma grande expectativa a não ser ajustes tarifários e arrochos salariais para a grande massa. Se ela desejava mudanças radicais ao votar em Milei, terá mais do mesmo, e da pior qualidade. 

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Chegamos à postagem 800 deste blog, em pouco mais de 15 anos de atividade ininterrupta! Sem dúvida, uma agradável surpresa e uma enorme alegria! Mas principalmente uma conquista, com um trabalho contínuo, cuidadoso, que nos anima a prosseguir em frente, com o maior carinho e dedicação.


 

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