Foi quando, inopinadamente para o público do Leblon e adjacências, se materializou a descida dos morros para o asfalto, a ponta de lança vinda do Vidigal. A princípio poucos podiam dizer de onde vinham aqueles desgarrados, organizados sim, pela maneira como distribuíam seu ódio pelo silêncio com que haviam sido guardados até então. Depois de disparar nos estabelecimentos de comércio elegante, nos bancos, nos edifícios luxuosos, recolheram mais de duzentos reféns e retornaram ao seu território. O público, ou mais precisamente, a audiência global, se escandalizou com o fato daqueles famélicos despossuídos, gente feia e ignorante, tivesse ousado descer de seu confinamento para mostrar a cara de sua patética existência. O que desejavam, por que essa ação intempestiva, marcada por uma violência inexplicável? Aos poucos, as lideranças da cidade passaram a ocupar os espaços midiáticos, e do estupor inicial, consideraram a ação como algo inaceitável para o cidadão de bem, e que as medidas repressivas não tardariam. As forças de segurança se incumbiram rapidamente de formular um plano de invasão, O inimigo pagará um preço que nunca conheceu, afirmou nas redes digitais o governador, descartando qualquer possibilidade de negociação política. O secretário de segurança, incumbido de distribuir suas forças, dividiu o Vidigal em três partes, e juntamente com o comando militar, elaborou um plano de ataque. A parte fronteiriça ao Leblon teria de ser evacuada em 24 horas, e apenas um posto de controle para a saída de civis foi montado, enquanto os helicópteros voavam metralhando os setores que a inteligência militar havia identificado como locais de presença dos bandidos. O problema era o que fazer para poupar os reféns, mas os mais duros do estado maior insistiam que não poderiam hesitar. O ataque foi brutal e, o que as narrativas preservadas registram, o público acompanhou em tempo real a devastação do Vidigal, com milhares de crianças assassinadas, casas destruídas, toda uma comunidade arrasada, ainda que os discursos oficiais relativizassem a destruição. Em mais de um mês de operações militares, o morro ficou com uma aparência lunar, sem qualquer barraco de pé, mais arruinado que Belo Monte após a quarta expedição, conforme atestam as imagens feitas pelos moradores da própria comunidade, que terminou ocupada pelo exército. Nas palavras de um analista da época, "Na verdade, o Sertão nada difere do Afeganistão ou de Gaza, a ordem hegemônica e seus direitos invioláveis não podem ser questionados. Quando o medo alcançou o auge, a combalida comunidade foi paulatinamente exterminada, para a satisfação de interesses personalistas e imediatos".
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