15 dezembro 2023

Antônio Maria




Sempre gostei de ler crônicas de autores brasileiros, principalmente. Mas alguns específicos, como Carlos Heitor Cony, que conheci na página 2 da Folha de São Paulo, nos anos 1980 e 1990, cuja variedade de temas e elegância narrativa me conquistaram, mesmo quando não estava de acordo com seu argumento. Era notável como conseguia esgrimir suas ideias em um pedaço mínimo de página. Mais tarde, conheci seu corajoso O Ato e o Fato, coletânea de crônicas escritas no Correio da Manhã do Rio de Janeiro, onde ironizava com grande competência o recém-instalado regime militar. Sem dúvida seu estilo me influenciou profundamente, seja na maneira vigorosa em tratar de um tema, como no cuidado da elaboração do texto, sempre com um final em aberto, como se convidasse o leitor a completar sua narrativa.

Com menos frequência, mas com muita intensidade, as crônicas de Nelson Rodrigues me inspiraram a subverter a natureza escorreita da crônica. Não foi fácil compreendê-lo como um escritor conservador, que até certo ponto apoiou o regime militar, e ao mesmo tempo admirar a energia de sua escrita. Claro, fui conhecê-lo melhor depois de sua morte, nas compilações feitas por Ruy Castro e publicadas nos anos 1990 pela Companhia das Letras. Falava de política, de vida cotidiana, de futebol com a mesma galhardia, com a mesma capacidade em levantar um tema e conclui-lo com a habilidade dos exímios escritores, quer eu concordasse ou não com suas palavras. 

Outros também foram importantes, em menor escala: Otto Lara Resende, Ruy Castro, Lima Barreto, Raquel de Queiróz, Ignácio de Loyola Brandão, Rubem Braga, e certamente estou esquecendo alguns outros marcantes, que lia de maneira bissexta, ou que eram bissextos na produção de crônicas. E ontem, adquiri um grosso volume, Vento Vadio, antologia das crônicas de Antônio Maria. O pouco que digeri do livro até aqui confirmou a expectativa que tinha dele, e que vinha da leitura de crônicas esparsas reproduzidas em jornais, e que tinham deixado inúmeras reticências para serem exploradas. Pouco se fala de Antônio Maria hoje, e não me lembro de ter lido artigos recordatórios - na imprensa ou em trabalhos acadêmicos - de sua obra, e a publicação de Vento Vadio vem suprir o vazio dessa injustiça. Antônio Maria se consagrou simultaneamente como escritor e compositor. Lembro especialmente de uma canção, Ninguém me Ama, na voz de Nat King Cole, Ninguém me ama/ ninguém me quer/ ninguém me chama/ de um amor/ a vida passa/ e eu sem ninguém/ e quem me abraça/ não me quer bem...

Segundo a introdução de Guilherme Tauil, frequentou todos os espaços novos que se formavam (nos anos 1950, no Rio) e conviveu com todo tipo de gente nos cafés, nas boates (...). Particularmente gosto dos escritores desgarrados e em vivência etnográfica com as pessoas as mais diferentes, porque é desse caldo que sobrevém o olhar arguto para a construção das narrativas. E passa por Balzac, por Dickens, por João do Rio, por Mano Brown, por todos esses observadores da riqueza e da miséria social, que estão lado a lado sem compaixão, sem se desvincular uma da outra. Sobre Vento Vadio, complementa Tauil, Enfim na praça, 59 anos depois de ser cogitada, esta antologia coloca Antônio Maria, para espanto do próprio, ao lado dos nossos maiores cronistas.


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