27 outubro 2018

A luta em meio ao turbilhão

com Fernando Solanas

Ouvindo Jorge Ben Jor, um CD ao vivo que ouvia muito há 25 anos, Mestres da MPB, que levei de presente para meu amigo Klaus e que no caminho, fiz com que um tcheco vendedor de mamulengos me pedisse para escolher qualquer um em troca do disco. Tenho a quase convicção que meu amigo tenha esquecido o CD em alguma prateleira de sua casa, e imagino que seu caráter protestante, discreto e pouco afeito a alegria tropical, tenha sido decidido para esse esquecimento.

Véspera das eleições presidenciais, ainda que paire um entusiasmo empolgante nestes últimos dias, com o crescimento das intenções de voto em Haddad e a queda do candidato militar, ainda temos uma situação difícil. A ignorância sobre questões de história e política que recobrem significativa parcela de nossa população, segue apontando para a nefasta escolha, e se der para alcançarmos, será por muito pouco. Apoios dos mais diversos segmentos sociais seguem pipocando em favor da candidatura popular, em defesa da democracia. Mas faltou uma declaração de Ciro Gomes, que chegou ontem da Europa e teria proporcionado um forte impacto emocional.

Simultaneamente às grandes concentrações verificadas nesta semana, no Rio, São Paulo, Recife e especialmente ontem, em Salvador, ocorre um movimento interessante, típico das militâncias mais aguerridas dos bons tempos do PT, grupos de esclarecimento atuando fortemente por todos os lados, seja nos lugares públicos, seja nas redes digitais. Acumulo bastante material de divulgação para futuros trabalhos de análise acadêmica. Ontem mesmo consegui “virar” dois votos no ônibus, ao voltar do mercado, junto a dois idosos das periferias mais longínquas.

A senhora a princípio ficou indecisa quando lhe perguntei se iria votar, gesto corriqueiro de defesa das pessoas mais simples. Mas bastou lhe sugerir com segurança a opção Haddad para ela se mostrar confiante em uma arguição segura. Comentou sobre o “olhar ruim” do candidato militar, seu receio pela disseminação do armamento, da perda de sua aposentadoria ainda não alcançada. E na saída, o senhor que desceu comigo mais parecia um veterano pastor, me perguntou se “colocamos o militar lá”, ao que lhe respondi que nunca, a opção tinha de ser Haddad para o nosso bem. Ele repetiu, humildemente, “sim, Haddad”.

Reforcei minha impressão de que existe muita gente ou votando sem segurança no nefasto, ou mantendo-se indecisa por falta de informação. A luta que nós da classe média propomos como salvaguarda dos direitos democráticos não faz sentido em muitas franjas urbanas de nosso país, razão pela qual ela não é incorporada no dia-a-dia com o mesmo afinco. O autoritarismo que nos assusta é o lugar comum nas periferias mais recônditas, a violência policial que torturou os intelectuais nos anos 1970 segue torturando e matando nos territórios de precariedade.

Senti ontem o mesmo brilho de coisa boa no ar quando precedemos uma grande vitória. Resta saber se o esforço do campo popular conseguirá demover alguns milhões de votos do candidato da ditadura. Por demover digo simplesmente que precisamos sensibilizar as pessoas ainda carentes de cidadania que não será pelo militarzinho de araque que alcançarão o estatuto de reconhecimento social, tornando-se sujeitos de direito.  

Pude assistir, por fim, ao belo La Hora de los Hornos, e ao final, tive o prazer e a imensa alegria de trocar umas palavras com seu diretor, Fernando Solanas. Trabalhei com alunos de cinema, durante pelo menos um ano, seu filme La Memoria del Saqueo, um forte relato sobre a degradação social nos anos de liberalismo menemista. Pude encontrá-lo uma vez no Fórum Mundial de Porto Alegre, há quase vinte anos, ouvindo-o em sua retórica contundente. Ontem, mal ouvia sua fala mansa e criteriosa, agora fortemente engajada na denúncia da indústria de pesticidas que polui e mata.


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