com Fernando Solanas
Ouvindo Jorge Ben Jor, um
CD ao vivo que ouvia muito há 25 anos, Mestres da MPB, que levei de presente para
meu amigo Klaus e que no caminho, fiz com que um tcheco vendedor de mamulengos
me pedisse para escolher qualquer um em troca do disco. Tenho a quase convicção
que meu amigo tenha esquecido o CD em alguma prateleira de sua casa, e imagino
que seu caráter protestante, discreto e pouco afeito a alegria tropical, tenha
sido decidido para esse esquecimento.
Véspera das eleições
presidenciais, ainda que paire um entusiasmo empolgante nestes últimos dias,
com o crescimento das intenções de voto em Haddad e a queda do candidato
militar, ainda temos uma situação difícil. A ignorância sobre questões de
história e política que recobrem significativa parcela de nossa população,
segue apontando para a nefasta escolha, e se der para alcançarmos, será por
muito pouco. Apoios dos mais diversos segmentos sociais seguem pipocando em favor da candidatura popular, em defesa da democracia. Mas faltou uma declaração de Ciro Gomes, que chegou ontem da Europa e teria proporcionado um forte impacto emocional.
Simultaneamente às
grandes concentrações verificadas nesta semana, no Rio, São Paulo, Recife e
especialmente ontem, em Salvador, ocorre um movimento interessante, típico das
militâncias mais aguerridas dos bons tempos do PT, grupos de esclarecimento
atuando fortemente por todos os lados, seja nos lugares públicos, seja nas
redes digitais. Acumulo bastante material de divulgação para futuros trabalhos
de análise acadêmica. Ontem mesmo consegui “virar” dois votos no ônibus, ao voltar do mercado, junto a dois idosos das periferias mais longínquas.
A senhora a
princípio ficou indecisa quando lhe perguntei se iria votar, gesto corriqueiro de
defesa das pessoas mais simples. Mas bastou lhe sugerir com segurança a opção
Haddad para ela se mostrar confiante em uma arguição segura. Comentou sobre o “olhar
ruim” do candidato militar, seu receio pela disseminação do armamento, da perda
de sua aposentadoria ainda não alcançada. E na saída, o senhor que desceu
comigo mais parecia um veterano pastor, me perguntou se “colocamos o militar
lá”, ao que lhe respondi que nunca, a opção tinha de ser Haddad para o nosso
bem. Ele repetiu, humildemente, “sim, Haddad”.
Reforcei minha impressão
de que existe muita gente ou votando sem segurança no nefasto, ou mantendo-se
indecisa por falta de informação. A luta que nós da classe média propomos como
salvaguarda dos direitos democráticos não faz sentido em muitas franjas urbanas
de nosso país, razão pela qual ela não é incorporada no dia-a-dia com o mesmo
afinco. O autoritarismo que nos assusta é o lugar comum nas periferias mais recônditas,
a violência policial que torturou os intelectuais nos anos 1970 segue
torturando e matando nos territórios de precariedade.
Senti ontem o mesmo
brilho de coisa boa no ar quando precedemos uma grande vitória. Resta saber se
o esforço do campo popular conseguirá demover alguns milhões de votos do
candidato da ditadura. Por demover digo simplesmente que precisamos
sensibilizar as pessoas ainda carentes de cidadania que não será pelo militarzinho
de araque que alcançarão o estatuto de reconhecimento social, tornando-se sujeitos
de direito.
Pude assistir, por fim,
ao belo La Hora de los Hornos, e ao
final, tive o prazer e a imensa alegria de trocar umas palavras com seu
diretor, Fernando Solanas. Trabalhei com alunos de cinema, durante pelo menos
um ano, seu filme La Memoria del Saqueo,
um forte relato sobre a degradação social nos anos de liberalismo menemista.
Pude encontrá-lo uma vez no Fórum Mundial de Porto Alegre, há quase vinte anos, ouvindo-o em sua
retórica contundente. Ontem, mal ouvia sua fala mansa e criteriosa, agora fortemente
engajada na denúncia da indústria de pesticidas que polui e mata.
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