29 dezembro 2012
Vinícius de Moraes
Relatos de um tempo pecaminoso
Como estamos em tempos de retrospectivas, tomo a liberdade de fazer a minha, contextualizando o cenário social, político e econômico de 1998, a partir de anotações pessoais preservadas. Creio que valha a pena confrontarmos os indicadores da situação do Brasil em que vivíamos e do que vivemos hoje. Peço desculpas pelas passagens exacerbadas de meu ponto de vista, e chamo atenção para algumas antecipações acertadas, ainda que não desenvolvidas.
Seja como for, entendo ser possível captar um pouco do clima vigente, o comportamento de um governo com projetos distintos do atual, aqui e ali os dados ruins da economia, o desconforto confundindo-se com um silêncio apático da sociedade, minhas suspeitas sobre os procedimentos mídia hegemônica, em um ano de eleições, a apresentar os fatos com extremada cautela - bem ao contrário do que ocorre hoje.
É preocupante ouvirmos algumas daquelas vozes consensuais retomarem o folego, reordenando a empáfia do discurso neoliberal, fracassado, se tomarmos o ponto de vista do investimento social. Ressurgem com promessas que já eram promessas naqueles anos, e que, sabemos, tiveram um efeito trágico para a população.
16 dezembro 2012
Susana San Juan e o Mar
As palavras que refazem e retomam percursos, diluem-se no contar histórias, e permanecem sob o silêncio dos dias e das noites, à espera de serem ditas, ao sabor do céu que se transmuta, ora cinzento e cheio de nuvens, ora cheio de estrelas, inchadas de tanta noite, a nos desvelar as narrativas de um mundo não mais presente, e ainda assim ardente em seu tempo impreciso.
Sobrepõem-se os sentimentos inquietos em vida, condescendentes na morte. Palavras que prescindem de corpos, que singram pelos espaços aquietados, evocadas, nas ruas, nas casas, nas tumbas. As almas sussurram por preces, os sepultos repassam as vidas e as mortes, a narrativa onisciente encaminha as verdades dos fatos.
De sua parte, amou-a tanto que passou o resto de seus anos arriado numa cadeirinha de cipó, olhando o caminho por onde a tinham levado para o cemitério. Susanita, viúva, com vagas lembranças da infância vivida junto a Páramo, para deixar a presença sufocante de seu pai, escolhe ir para Media Luna, vou ter de ir pra lá para morrer.
02 dezembro 2012
Os jovens e as escrituras periféricas
" (...) Já não é apenas Sérgio Vaz e o grupo Negredo, no Capão Redondo, mas o coletivo Area 23, o Calle 13, disseminando suas letras, suas contestações pelas urbes da América Latina. Se nos encontros face a face, a palavra se reafirma na entonação solene dos versos, nas representações digitais ela se manifesta em ritmo de rap. Se na instância presencial, o poema exprime a identificação com a quebrada, no espaço digital o chamamento ganha os horizontes e contempla os sonhos e os dramas das periferias do mundo. (...)
20 novembro 2012
Sobre a incapacidade mediana
18 novembro 2012
Autour de minuit
América no Pensamento
Alfonso Reyes, homem das letras, integrou um formidável grupo de intelectuais que se constituiu em torno do Ateneu da Juventude, em 1910, responsável por edificar as bases da cultura contemporânea do México. De sua vasta obra, interessam-me seus ensaios sobre a América.
Os destinos da civilização de nosso continente o preocupam, e de acordo com o belo texto introdutório de José Luis Martinez para a antologia América en el Pensamiento de Alfonso Reyes, fiel à vocação dos grandes mestres americanos, suas meditações "se consagram a explorar o sentido que rege a vida da América, o significado e o caráter da cultura americana".
Contemporâneo de outros pensadores da Latinoamérica como José Enrique Rodó ou Manuel Bomfim, Alfonso Reyes aborda em ensaios como A Última Tule, o imaginário que rondava os europeus no período da descoberta da América, "como para a fatigada Europa (o Novo Mundo) era a terra que podia converter em realidade seus melhores sonhos utópicos e ainda a fantasia da mitologia e a fábula".
Para Alfonso Reyes, forjamos uma cultura natural do espírito, que denomina de inteligência americana. Fica a cargo desta inteligência uma tarefa, "essencial não só para que o resto do mundo nos conheça e nos compreenda com facilidade e claridade, mas também para que nós mesmos ganhemos uma consciência mais cabal de nosso ser (...)".
Não tenho dúvidas de que o pensamento de Reyes contagiou o ânimo de Carlos Fuentes, no desenvolvimento de sua obra recente, La gran novela Latinoamericana.
Abaixo,
um trecho ensaístico de Alfonso Reyes Ochoa.
Valor da literatura latino-americana (excerto)
"(...) Há dentre nós uma herança acumulada, impressa nos estratos da alma, que faz até do analfabeto um homem evoluído apenas pela sensibilidade. No modo de dar o bom dia de um castellano viejo, como no de um gaucho argentino ou de um ranchero mexicano; na extensão do continente e na mirada dos nossos deserdados camponeses, ainda que apenas saibam soletrar, há vários séculos de civilização em resumo. Os estrangeiros devem notar que o homem hispano-americano os sopesa e os julga desde quando lhes arremete um olhar.
Temos
carecido disso que se chama de técnicas. Somos os primeiros a lamentar e a
desejar a correção das deficiências que a fatalidade, e não a inferioridade,
nos tem imposto. Mas podemos afirmar com orgulho que até hoje nossos povos só
conheceram e praticaram uma técnica, o talento.
Hoje mais ainda. Se para certos valores elevados de nossas letras não se tenha concedido, até hoje, categoria internacional, isso se deve à triste consequência do decaimento político da língua espanhola. Tanto pior para quem os ignora: Ruiz de Alarcón, Sor Juana Inés de la Cruz, Sarmiento, Martí, Darío, Rodó, Lugones, podem ombrear-se em nível com os escritores de qualquer país que tenha merecido a fama universal, as vezes apenas por integrarem a uma literatura da moda. E entre as centenas que deixo de nomear, há obras isoladas que poderia causar inveja a qualquer literatura.
Isso
não é tudo. A experiência de nossa cultura tem um valor de porvir, que assume
neste instante uma importância única. Chegamos à vida autônoma quando nossa
língua (espanhola) não dominava o mundo. Os que se criaram dentro de um
universo cultural no auge, ou dentro de uma língua que ainda sustentava a força
imperial, viveram limitados dentro desse universo ou dessa cultura. Em
contrapartida, nós tivemos de buscar a figura do universo, juntando espécies
dispersas em todas as línguas e em todos os países. Somos uma raça de síntese
humana. Somos o verdadeiro saldo histórico. Tudo o que o mundo faça amanhã terá
que contar com nosso saldo.
(...)
Não nos sentimos inferiores a ninguém, mas seres em pleno gozo de capacidades equivalentes às que se cotizam na praça. E por essa razão, têm sido amargos nossos sofrimentos; por essa razão nos eludem os mestres que nos ensinaram a confiar no bem. Recebemos com os braços abertos, e com a plena consciência de nossos atos, os que se acercam com uma palavra sincera de entendimento, de harmonia e de concórdia. Nosso júbilo é grande quando essa palavra nos chega de gente que fez do respeito humano sua atual bandeira".
(Tradução realizada a partir do texto original, América en el Pensamiento de Alfonso Reyes, Fondo de Cultura Económica, México, 2012).
31 outubro 2012
Corrientes, a media luz
09 outubro 2012
Cinelândia
07 outubro 2012
Grandes esperanças
16 setembro 2012
Sabra e Chatila
14 setembro 2012
Los que tienen bosque y agua
(fragmento)
mis herraduras de caballo,
10 setembro 2012
Allende por las calles
03 setembro 2012
As colunas de Hércules
Cortés encontra Montezuma |
Segundo Paz nos descreve, "La Chingada é a mãe aberta, violada ou seduzida pela força", e mais adiante, "Ela encarna o aberto, o chingado, em relação aos nossos índios, estóicos, impassíveis, fechados", desenvolvendo a ideia de aberto e fechado, a mãe que se abre para o vilipendiador estrangeiro, o mexicano encerrado em seu isolamento, histórico e pessoal. Na ilustração desta postagem, Cortés encontra Montezuma, vemos o registro do diálogo que irá determinar pouco mais tarde a prisão do Grande Tlatoani do México, o Senhor da Grande Voz, "despojado de seus atributos por um europeu renascentista e por uma mulher que outorgou a língua índia aos espanhóis" (Fuentes).
Cortés, em nome da autocracia do reino espanhol, silencia à força a autocracia indígena, representada por Montezuma. Em 1553 perdemos o direito de conhecermos a nós mesmos, pois um decreto da metrópole impediu de circular nas colônias as histórias da conquista. De algum modo, a narrativa de uma épica da conquista sucumbe juntamente com a utopia da descoberta (ou da invenção) do Novo Mundo. Sem uma voz que relatasse a nossa memória - "recordar o futuro, imaginar o passado", passamos a suprir o vazio de história, escrevendo romances. Para Lezama Lima, será a arte do barroco que proporcionará a afirmação de nossa identidade, ou como em suas palavras, "Vemos que o senhor barroco americano, a quem designamos como o autêntico primeiro instalado no que é nosso, participa, vigia e cuida as duas grandes sínteses que estão em sua raiz, a hispano-incaica e a hispano-negróide".
Assim, a cosmogonia da Latinoamerica incorpora a rebelião da arte barroca, a mestiçagem de brancos, negros e índios, e o fantástico como a expressão diferenciada de nossa narrativa. Passamos de Carpentier a Borges, de Rubião a Azuela, de Darío a Benedetti, e nos tempos presentes alcançamos as bordas de nossas cidades, a épica do cotidiano conduzida por sonhadores humildes, com sua voz que resiste em não se apagar, e o imaginário a fomentar uma renovada utopia, não muito além das colunas de Hércules.
16 agosto 2012
Augusto Monterroso
Ao despertar, encontrou-se rodeado por um grupo de indígenas, com a expressão impassível de quem se dispunha a sacrificá-lo ante um altar, um altar que a Bartolomeu pareceu ser o leito em que descansaria, por fim, de seus temores, de seu destino, de si mesmo.
Três anos no país tinham lhe conferido um mediano domínio das línguas nativas. Ensaiou algo. Disse algumas palavras que foram compreendidas.
Então lhe floresceu uma ideia, que teve por inspiração seu talento, sua cultura universal e de o árduo conhecimento de Aristóteles. Recordou que para esse dia, se esperava um eclipse total do sol. E se dispôs (em seu íntimo) a valer-se daquele conhecimento para enganar os seus opressores e salvar a vida.
- Se me matais - disse-lhes - posso fazer com que o sol se escureça por completo.
Os indígenas olharam-no fixamente e Bartolomeu captou a incredulidade em seus olhos. Viu que se produziu um pequeno conselho e esperou, confiante, não sem demonstrar certo desdém.
Duas horas depois o coração do frei Bartolomeu Arrazola jorrava o sangue com veemência sobre a pedra de sacrifícios (brilhante, sob a opaca luz de um sol eclipsado), enquanto um dos indígenas recitava sem qualquer inflexão de voz, sem pressa, uma por uma, as infinitas datas em que produziriam eclipses solares e lunares, que os astrônomos da comunidade maia haviam previsto e anotado em seus códices, sem a valiosa ajuda de Aristóteles.
23 julho 2012
Páramo, por Fuentes
Traduzo abaixo uma pequeno trecho do capítulo, procurando preservar a deliciosa fluência descritiva que abarca a morte, o silêncio, a linguagem, o mito, no espaço vivenciado de Comala.