10 setembro 2012

Allende por las calles

Allende faz o que seu sucessor golpista jamais teve coragem:
caminhar pelas ruas com o povo


Gosto desta imagem de Allende, tomada logo após sua vitória. Caminha pelas ruas, acompanhado por uma multidão que deseja estar ao seu lado. Gosto dos sorrisos dos protagonistas, compostos por diversas faixas etárias, provavelmente após ouvir algum chiste do presidente. Gosto dessa leveza de um presidente que, sabendo-se respeitado por seu povo, não titubeia em ganhar as ruas. A foto mostra movimento, nada parecido com estes que adornam campanhas publicitárias, em que o personagem se mostra apressado para mostrar determinação e espírito de vencedor. Não, aqui temos uma caminhada livre, em que as pessoas se aglomeraram da maneira que foi possível, e o fotógrafo teve a felicidade de tomar a distância necessária para registrar o flagrante, plasticamente emocionante.

Não há razão para se colocar a imagem simbólica do La Moneda em chamas, vítima do brutal golpe de estado patrocinado pela CIA. A memória de Allende, para mim, é similar a da foto, um estadista voltado para as necessidades de seu país, dedicado a sanar as desigualdades a partir de um governo socialista humanista, sempre preservando a democracia parlamentar. O golpe de 11 de setembro, embora previsível, o tomou de surpresa. No derradeiro jantar em Tomás Moro (tão apropriada designação!), a residência oficial do presidente, na companhia de alguns ministros e colaboradores, o clima de tensão se instala com chamadas telefônicas indicando a movimentação militar desde Valparaíso. Estava previsto para o dia seguinte um discurso em cadeia nacional, em que Allende faria conhecer, segundo o testemunho de seu assessor espanhol, Joan Garcés, uma proposta para reordenar as instituições do estado por vias democráticas. 

Não houve tempo. Segundo o livro de Patricia Verdugo, Allende - cómo la Casa Blanca provocó su muerte, logo pela manhã de 11 de setembro, o presidente deixou sua residência para alcançar o La Moneda. Os movimentos da comitiva estavam sendo monitorados pelo serviço de inteligência golpista, e ultrapassava os limites do Chile. Segundo as palavras de Patricia, A esa misma hora, en Valparaíso, el teniente coronel Patrick J. Ryan, de la US Navy, se comunicaba con la central en Panamá: "Con el jefe de señales Paul Eppley a cargo de la radio y el teniente Roger Frauenfelder redactando el mensaje, pudimos comunicarnos a las oficinas centrales de la Zona del Canal de Panamá. Se evitó específicamente culquier referencia a la situación en Santiago, ya que cualquier estimación sólo podría haber sido conjetura".

Ainda havia incertezas do lado golpista. Não se sabia exatamente como reagiria o poder popular dos cordones industriales, onde se acreditava que ocorreria uma possível reação ao golpe por parte dos operários, coordenados pelas centrais sindicais. 

Mas aos poucos, ao longo da manhã, o presidente se veria cada vez mais isolado, perdendo todo o apoio militar, inclusive da força de Carabineros, e político. Allende estava isolado, na companhia de sua guarda pessoal, alguns políticos fiéis e suas filhas. Sucederam-se então, as quatro locuções ao povo, o feroz bombardeio começado por volta das 11h, a rendição do palácio e a morte do presidente. Para quem tiver estômago forte, segue aqui, durante uma hora e meia, as ações do comando golpista, comandadas por Pinochet. 

Recentemente terminei um texto acadêmico, não conseguindo me furtar da referência de Allende sobre as grandes alamedas da democracia contida em sua última locução, emitida pela rádio Magallanes. Retomo a imagem acima, uma caminhada pública que emana leveza, já o disse, mas também justiça, paz, desejo de solidariedade. Não há como aceitar que esses anseios, cálidos e serenos anseios, sejam suprimidos pela barbárie golpista.  


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