02 dezembro 2012

Os jovens e as escrituras periféricas



Destaco abaixo alguns trechos de meu texto mais recente sobre as escrituras das margens, Os Jovens na Produção das Escrituras Periféricas, que deverá compor em 2013 uma coletânea de ensaios, publicados pela Universidade Cândido Mendes (Rio de Janeiro). 

Neste texto, procuro ir além da poesia presencial e performática, explorando o desdobramento dos saraus como encontros multiplicadores de cultura popular, alcançando as diversas plataformas digitais como twitter, blogs, facebook, youtube, expandindo o alcance do discurso contra-hegemônico a partir e para além das periferias latino-americanas.
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" (...) Os poetas performáticos se originam das mais diversas atividades profissionais, e se reúnem nos saraus para proclamar a realidade de seu mundo, para descrever suas angústias existenciais, para condenarem a indiferença a que se consideram submetidos pelos segmentos sociais mais ricos da cidade. É através da prática da escritura que incorporam sua voz ao esforço por maior visibilidade social, deixando explicito o seu propósito. Ao estudar a constituição dos saraus da periferia, procuro entender esse olhar inconformado e resistente, compreendendo-o a partir da sua proposta de mobilização da cultura popular nas periferias. (...)

Para Zumthor, 'O poema, animado pela voz, se identifica ao que faz existir na ordem das percepções, das emoções, da inteligência (...)'. Essa emergência, nos saraus periféricos, concretiza sentimentos, seja a dor cotidiana ou sonhos não realizados, transformados pelas declamações em sequência num manifesto poético, que ilumina o imaginário do público presente. O gesto poético causa um abalo, sem gerar estranhamento: ele eleva a percepção de cada um e de todos, sensibilizando para a opacidade do mundo ao redor, ou numa palavra, a performance modifica o conhecimento de cada um e de todos.

Tal como acontecia no Binho, e continua acontecendo na Cooperifa e nos inúmeros saraus poéticos hoje existentes nas periferias de São Paulo, uma das funções propositivas dos saraus passa pela construção contínua do senso crítico, revelando a ação urgente em comunhão com o lugar, a quebrada. (...) Conhecer o lugar em que se vive torna-se uma condição necessária, uma vez que, ao se falar das carências e envolvê-las em projetos, se constrói a consciência crítica da realidade cotidiana nas periferias. Talvez esse seja o aspecto fundamental, relacionado à questão identitária, a qual comentaremos mais adiante, que perpassa as relações comunais nas quebradas. (...) 

Como todas as práticas culturais desenvolvidas nas periferias, os saraus (periféricos) se inserem no esforço de um trabalho coletivo que instiga um tornar-se, essa busca de uma identidade que contemple seus desígnios, em um mundo líquido. Não resta dúvida de que, nesses tempos pós-modernos, a ideia do comum, a vida em comunidade, solicita renovados posicionamentos de conduta. Em outras palavras, ela perdeu a antiga capacidade de regulação das relações sociais. Isso (conforme Bauman) não impede o anseio por uma coordenação das ações humanas, a constituição de um arranjo social, que abarque formas de vivência mais participativa, mais inclusiva – e assim mais cidadã, nos esquecidos territórios da precariedade.

" (...) Já não é apenas Sérgio Vaz e o grupo Negredo, no Capão Redondo, mas o coletivo Area 23, o Calle 13, disseminando suas letras, suas contestações pelas urbes da América Latina. Se nos encontros face a face, a palavra se reafirma na entonação solene dos versos, nas representações digitais ela se manifesta em ritmo de rap. Se na instância presencial, o poema exprime a identificação com a quebrada, no espaço digital o chamamento ganha os horizontes e contempla os sonhos e os dramas das periferias do mundo. (...)

Ao contrário do que se possa imaginar, as plataformas concorrem para uma exposição mais perene das culturas das quebradas, das villas misérias, dos cantegriles, à proporção que os dispositivos tecnológicos tornam-se universais, de fácil acesso para a população menos favorecida. Em diversos países latino-americanos, já existem programas governamentais de distribuição de computadores portáteis para jovens estudantes, com acompanhamento de softwares educacionais, que permitem o avanço no aprendizado escolar. Jovens que passam a se educar, se informar, e a utilizar o potencial criativo da tecnologia para desenvolver suas habilidades. Permitem-se também ao exercício pleno e livre da comunicação, atuando nas redes sociais e interagindo com outros jovens, de outras localidades. Deixam de ser figurantes para atuarem como protagonistas do imaginário social. Deixam de ser novidade exótica, para pleitear em igualdade de condições, numa sociedade marcada pela diversidade. São vozes cujos brados tornam-se virais, multiplicando sua força e sua mobilização".


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