Destaco abaixo alguns trechos de meu texto mais recente sobre as escrituras das margens, Os Jovens na Produção das Escrituras Periféricas, que deverá compor em 2013 uma coletânea de ensaios, publicados pela Universidade Cândido Mendes (Rio de Janeiro).
Neste texto, procuro ir além da poesia presencial e
performática, explorando o desdobramento dos saraus como encontros
multiplicadores de cultura popular, alcançando as diversas plataformas digitais
como twitter, blogs, facebook, youtube, expandindo o alcance do discurso
contra-hegemônico a partir e para além das periferias latino-americanas.
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" (...) Os poetas performáticos se originam das mais
diversas atividades profissionais, e se reúnem nos saraus para proclamar a
realidade de seu mundo, para descrever suas angústias existenciais, para
condenarem a indiferença a que se consideram submetidos pelos segmentos sociais
mais ricos da cidade. É através da prática da escritura que incorporam sua voz
ao esforço por maior visibilidade social, deixando explicito o seu propósito.
Ao estudar a constituição dos saraus da periferia, procuro entender esse olhar inconformado e resistente,
compreendendo-o a partir da sua proposta de mobilização da cultura popular nas
periferias. (...)
" Para Zumthor, 'O
poema, animado pela voz, se identifica ao que faz existir na ordem das
percepções, das emoções, da inteligência (...)'. Essa
emergência, nos saraus periféricos, concretiza sentimentos, seja a dor
cotidiana ou sonhos não realizados, transformados pelas declamações em
sequência num manifesto poético, que ilumina o imaginário do público presente. O
gesto poético causa um abalo, sem gerar estranhamento: ele eleva a percepção de
cada um e de todos, sensibilizando para a opacidade do mundo ao redor, ou numa
palavra, a performance modifica o conhecimento de cada um e de todos.
" Tal como acontecia no Binho, e continua acontecendo na
Cooperifa e nos inúmeros saraus poéticos hoje existentes nas periferias de São
Paulo, uma das funções propositivas dos saraus passa pela construção contínua
do senso crítico, revelando a ação urgente em comunhão com o lugar, a quebrada. (...) Conhecer o lugar em que se vive torna-se uma condição
necessária, uma vez que, ao se falar das carências e envolvê-las em projetos,
se constrói a consciência crítica da realidade cotidiana nas periferias. Talvez
esse seja o aspecto fundamental, relacionado à questão identitária, a qual
comentaremos mais adiante, que perpassa as relações comunais nas quebradas. (...)
" Como todas as práticas culturais desenvolvidas nas
periferias, os saraus (periféricos) se inserem no esforço de um
trabalho coletivo que instiga um tornar-se,
essa busca de uma identidade que contemple seus desígnios, em um mundo líquido.
Não resta dúvida de que, nesses tempos pós-modernos, a ideia do comum, a vida
em comunidade, solicita renovados
posicionamentos de conduta. Em outras palavras, ela perdeu a antiga capacidade de regulação das relações sociais. Isso (conforme Bauman) não impede o anseio por uma coordenação
das ações humanas, a constituição de um arranjo
social, que abarque formas de vivência mais participativa, mais
inclusiva – e assim mais cidadã, nos esquecidos territórios da precariedade.
" (...) Já não é apenas Sérgio Vaz e o grupo Negredo, no Capão Redondo, mas o coletivo Area 23, o Calle 13, disseminando suas letras, suas contestações pelas urbes da América Latina. Se nos encontros face a face, a palavra se reafirma na entonação solene dos versos, nas representações digitais ela se manifesta em ritmo de rap. Se na instância presencial, o poema exprime a identificação com a quebrada, no espaço digital o chamamento ganha os horizontes e contempla os sonhos e os dramas das periferias do mundo. (...)
" (...) Já não é apenas Sérgio Vaz e o grupo Negredo, no Capão Redondo, mas o coletivo Area 23, o Calle 13, disseminando suas letras, suas contestações pelas urbes da América Latina. Se nos encontros face a face, a palavra se reafirma na entonação solene dos versos, nas representações digitais ela se manifesta em ritmo de rap. Se na instância presencial, o poema exprime a identificação com a quebrada, no espaço digital o chamamento ganha os horizontes e contempla os sonhos e os dramas das periferias do mundo. (...)
" Ao contrário do
que se possa imaginar, as plataformas concorrem para uma exposição mais perene
das culturas das quebradas, das
villas misérias, dos cantegriles, à proporção que os dispositivos tecnológicos
tornam-se universais, de fácil acesso para a população menos favorecida. Em
diversos países latino-americanos, já existem programas governamentais de
distribuição de computadores portáteis para jovens estudantes, com
acompanhamento de softwares educacionais, que permitem o avanço no aprendizado
escolar. Jovens que passam a se educar, se informar, e a utilizar o potencial
criativo da tecnologia para desenvolver suas habilidades. Permitem-se também ao
exercício pleno e livre da comunicação, atuando nas redes sociais e interagindo
com outros jovens, de outras localidades. Deixam de ser figurantes para atuarem
como protagonistas do imaginário social. Deixam de ser novidade exótica, para
pleitear em igualdade de condições, numa sociedade marcada pela diversidade.
São vozes cujos brados tornam-se virais, multiplicando sua força e sua
mobilização".
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