Alfonso Reyes, homem das letras, integrou um formidável grupo de intelectuais que se constituiu em torno do Ateneu da Juventude, em 1910, responsável por edificar as bases da cultura contemporânea do México. De sua vasta obra, interessam-me seus ensaios sobre a América.
Os destinos da civilização de nosso continente o preocupam, e de acordo com o belo texto introdutório de José Luis Martinez para a antologia América en el Pensamiento de Alfonso Reyes, fiel à vocação dos grandes mestres americanos, suas meditações "se consagram a explorar o sentido que rege a vida da América, o significado e o caráter da cultura americana".
Contemporâneo de outros pensadores da Latinoamérica como José Enrique Rodó ou Manuel Bomfim, Alfonso Reyes aborda em ensaios como A Última Tule, o imaginário que rondava os europeus no período da descoberta da América, "como para a fatigada Europa (o Novo Mundo) era a terra que podia converter em realidade seus melhores sonhos utópicos e ainda a fantasia da mitologia e a fábula".
Para Alfonso Reyes, forjamos uma cultura natural do espírito, que denomina de inteligência americana. Fica a cargo desta inteligência uma tarefa, "essencial não só para que o resto do mundo nos conheça e nos compreenda com facilidade e claridade, mas também para que nós mesmos ganhemos uma consciência mais cabal de nosso ser (...)".
Não tenho dúvidas de que o pensamento de Reyes contagiou o ânimo de Carlos Fuentes, no desenvolvimento de sua obra recente, La gran novela Latinoamericana.
Abaixo,
um trecho ensaístico de Alfonso Reyes Ochoa.
Valor da literatura latino-americana (excerto)
"(...) Há dentre nós uma herança acumulada, impressa nos estratos da alma, que faz até do analfabeto um homem evoluído apenas pela sensibilidade. No modo de dar o bom dia de um castellano viejo, como no de um gaucho argentino ou de um ranchero mexicano; na extensão do continente e na mirada dos nossos deserdados camponeses, ainda que apenas saibam soletrar, há vários séculos de civilização em resumo. Os estrangeiros devem notar que o homem hispano-americano os sopesa e os julga desde quando lhes arremete um olhar.
Temos
carecido disso que se chama de técnicas. Somos os primeiros a lamentar e a
desejar a correção das deficiências que a fatalidade, e não a inferioridade,
nos tem imposto. Mas podemos afirmar com orgulho que até hoje nossos povos só
conheceram e praticaram uma técnica, o talento.
Hoje mais ainda. Se para certos valores elevados de nossas letras não se tenha concedido, até hoje, categoria internacional, isso se deve à triste consequência do decaimento político da língua espanhola. Tanto pior para quem os ignora: Ruiz de Alarcón, Sor Juana Inés de la Cruz, Sarmiento, Martí, Darío, Rodó, Lugones, podem ombrear-se em nível com os escritores de qualquer país que tenha merecido a fama universal, as vezes apenas por integrarem a uma literatura da moda. E entre as centenas que deixo de nomear, há obras isoladas que poderia causar inveja a qualquer literatura.
Isso
não é tudo. A experiência de nossa cultura tem um valor de porvir, que assume
neste instante uma importância única. Chegamos à vida autônoma quando nossa
língua (espanhola) não dominava o mundo. Os que se criaram dentro de um
universo cultural no auge, ou dentro de uma língua que ainda sustentava a força
imperial, viveram limitados dentro desse universo ou dessa cultura. Em
contrapartida, nós tivemos de buscar a figura do universo, juntando espécies
dispersas em todas as línguas e em todos os países. Somos uma raça de síntese
humana. Somos o verdadeiro saldo histórico. Tudo o que o mundo faça amanhã terá
que contar com nosso saldo.
(...)
Não nos sentimos inferiores a ninguém, mas seres em pleno gozo de capacidades equivalentes às que se cotizam na praça. E por essa razão, têm sido amargos nossos sofrimentos; por essa razão nos eludem os mestres que nos ensinaram a confiar no bem. Recebemos com os braços abertos, e com a plena consciência de nossos atos, os que se acercam com uma palavra sincera de entendimento, de harmonia e de concórdia. Nosso júbilo é grande quando essa palavra nos chega de gente que fez do respeito humano sua atual bandeira".
(Tradução realizada a partir do texto original, América en el Pensamiento de Alfonso Reyes, Fondo de Cultura Económica, México, 2012).
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