12 julho 2010

Sobre espelhos




Como nos informamos, em um mundo que oferece múltiplas alternativas para obter a informação? Se opto pelos diários ou semanários ou canais de tevê hegemônicos, como posso desfrutar com convicção do relato que reproduz o fato? E qual a possibilidade de que este espelho oculte o que parece evidente, ou mostre outra verdade? Uma derradeira indagação: devo acreditar que tanto o embuste como o silêncio possam, de algum modo, contemplar as entrelinhas das notícias veiculadas por esses meios hegemônicos?
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Distorção e decadência, que podem ser compreendidas na crueza de seu significado ao compararmos o que temos aí, vendido como informação, e o que encontramos em muitos blogs e sítios alternativos produzidos por jornalistas independentes, que a partir da análise crítica consubstanciam a chamada mídia social, plataforma digital que oferece amplas alamedas para a circulação e repercussão dos fatos.
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O óleo vazado continuamente no Golfo do México, que se constitui provavelmente na maior catástrofe ecológica de todos os tempos, surge timidamente sob as manchetes da mídia hegemônica, que nos faz engolir o generoso esforço que a poderosa British Petroleum realiza para minimizar a tragédia (me pergunto qual a repercussão desses meios se a responsável pelo crime ambiental fosse a PDVSA venezuelana ou a nossa Petrobrás...). Na interface da mídia social, o assunto é abordado sem restrições por uma rede virtual que se complementa, oferecendo a possibilidade de uma compreensão muito mais próxima da realidade, driblando o perverso jogo de interesses existente nos conglomerados midiáticos.
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No lugar de apresentar um material investigativo sobre o assassinato de jornalistas hondurenhos, mexicanos ou colombianos, o silêncio nefasto do discurso dominante surge como se nada ocorresse... Em vez disso, ele se apraz em repercutir a cantilena da falta de liberdade de expressão na Venezuela ou na Argentina... Por aqui, a suspeita demissão de dois jornalistas (um do programa que apresentava e outro da direção que ocupava) de uma tevê pública (a Cultura) não mereceu qualquer discussão que honrasse a existência da ANJ (Associação Nacional de Jornais). O que liga ambas as demissões é a mesma dupla, os pedágios nas estradas paulistas com seus preços escorchantes e o candidato da oposição, José Serra, com seu poder de defenestração.
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Sem imaginação para a discussão de outros temas, essa mídia hegemônica se une na exploração sensacionalista do caso Bruno, insistindo em uma abordagem tão prolongada quanto desgastante, como se a sociedade brasileira não tivesse outros assuntos relevantes que merecessem uma pauta. Explora-se o fato com uma sórdida obsessão, que só o interesse por audiência, talvez, consiga explicá-la.
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De outra parte, ficamos sabendo apenas pelos sítios de jornalistas alternativos (e graças à investigação inicial do blog Tijoladas do Mosquito, de Hamilton Alexandre) o crime de estupro que três jovens da alta burguesia de Florianópolis cometeram contra uma jovem de 13 anos. Mais tarde uma emissora hegemônica, a rede Record, apresentou cobertura jornalística do fato. Ou seja, as páginas policiais nesse país continuam preenchidas pelos crimes cometidos pela população menos favorecida, no mais das vezes negra, preservando os filhos da aristocracia (no caso, um dos rapazes pertence à família proprietária de um influente conglomerado de comunicação do sul, a RBS).
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Os silêncios e as fantasias não cessam, e por aqui (e até as eleições de outubro) serão alimentados pelos grupos oligopólicos dominantes da mídia. Pergunto, como elaboram e o que nos vendem como discurso? Como acreditar nesse jogo de interesses que normalmente se dissocia dos interesses sociais?, eis as questões que, a meu ver, se colocam. Com o desejo de oferecer uma resposta, reproduzo abaixo o oportuno comentário do escritor e crítico Alejandro Dolina, que obtive no blog Patria SI, Colonia NO:

(...) há que se ter uma saudável desconfiança dos espelhos... crescemos com a crença de que os espelhos devolvem fielmente a imagem de quem se coloca à frente... até que alguma mão malvada começa a fabricar espelhos que deformam, espelhos que não devolvem a verdade, mas a mentira. Então, de manhã ao fazer a barba, o sujeito se vê uma pessoa loira e não morena (...). E ele tem tanta confiança no espelho, que faz essa confiança prevalecer sobre a realidade. Ele que se sabe moreno, que viveu uma vida morena e que vivia entre morenos, se vê loiro no espelho e começa a assumir loiras condutas. Por quê? Porque desde pequeno lhe disseram que os espelhos não mentem. Penso que é chegado o tempo de desconfiar dos espelhos e de pensar que o fabricante de espelhos tem interesses inconfessáveis, que nós não conhecemos (...). Talvez seja melhor olharmos mais a realidade e menos o espelho da realidade, porque esse espelho pode estar tendenciosamente modificado e fraudulento.



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