30 outubro 2009

Maria


Quando me mudei para cá, Maria já era uma anciã frágil, solitária, de caminhar vagaroso. Porém, possuía um encanto que fazia de nossos breves encontros no elevador um momento cintilante, reproduzido por seu olhar. Nada que se comparasse aos olhares dos encontros fortuitos, ao contrário, fulgurava em sua elegância de ser, em sua mansa intencionalidade. Maria apenas olhava-me, de lá de seu metro e cinqüenta, e sua expressão se iluminava, recendendo uma satisfação passível de se compartilhar. Restava então o comentário fortuito sobre alguma situação, breve, conciso, pois como morava no quarto andar, tínhamos pouco tempo.

Poucas vezes a vi, ao longo desses anos. Pensando bem, não mais do que uma dúzia de vezes, praticamente uma para cada ano de convivência no mesmo prédio. Convivência, parece-me exagero usar esse termo nesta situação... De todo modo, ao retomar esse tempo e nossos escassos encontros, vejo o quanto Maria se degradou, a exemplo de nosso prédio, de nosso bairro. Maria é a última dos moradores pioneiros, está aqui há longos 53 anos! Veio jovem, recém-casada, com duas filhas, com um futuro por se fazer... penso que mesmo as suas reminiscências se perdem nas brumas do tempo, como hálito ao vento.

Ontem a revi no vestíbulo, o que seria o nosso décimo-terceiro encontro. Estava acompanhada por uma governanta à esquerda e por uma bengala à mão direita. Seus olhinhos azuis me fixaram com dificuldades e o esforço por sorrir não alterou a expressão baça, de um cansaço irrecuperável. Um belo dia de verão iluminava os espíritos, perguntei-lhe se o passeio havia sido agradável. Maria não teve tempo para elaborar sua resposta, o elevador logo chegou ao quarto andar.


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