13 outubro 2009

Um mundo de ganâncias


O Brasil é o terceiro mercado de produtos de beleza do mundo. Muitas meninas pré-adolescentes vão à escola com sapato de salto, usando sombra, blush, maquiadas e cabelos hidratados por influência direta dos personagens vistos nos programas infantis. Aprendem a desfilar, não a correr e se exercitar. O Brasil é o país em que as crianças mais veem TV, não é exagero dizer que as brincadeiras e os jogos coletivos perdem espaço para a individualização e sedentarização promovidas pelas horas diante da televisão, e agora também da internet. 

Quando brincam, estão rodeadas por brinquedos exaustivamente anunciados entre os intervalos da programação infantil. Ou seja, ter uma boneca Barbie ou um boneco Jaspion significa ter um produto de consumo igual ao que o/a coleguinha possui, de alta rotatividade consumista. O nosso mercado de brinquedo mobiliza 130 bilhões de reais por ano, sendo intensamente explorado nas frestas de nossa legislação publicitária, como também na ausência de um perfil ético no meio publicitário. Para vender, se tolera qualquer artimanha sedutora, sem qualquer limite.


Entre as crianças se desperta o desejo de consumo adulto: pelos referenciais publicitários, uma criança não almeja simplesmente uma roupa de criança, mas uma calça (no caso da menina) que valorize seu corpo de oito ou dez anos! Há nessa faixa de idade uma rotatividade crescente de celulares, que tem na propaganda a motivação para a constante atualização dos modelos. Se tomamos como exemplo as publicidades de cerveja, temos o papel da mulher como alguém que serve aos machos sedentos, e que desperta o desejo sexual a partir da silhueta lasciva. 

A beleza estética é disseminada para o bem do consumo e não há restrições ao seu poder de sedução. Ocorre que esse padrão estético veiculado pela publicidade distancia-se da realidade, pois as crianças são estimuladas a consumirem alimentos processados industrialmente, em escalas crescentes, abandonando frutas, sucos e verduras. Uma criança que consome uma latinha de refrigerante todos os dias, durante um mês, terá consumido um quilo, cento e quarenta gramas de açúcar. E não falo aqui das doses de açúcar e gorduras contidos nos sanduíches do McDonalds e nos pacotes de Chips e Doritos, produtos com altos índices calóricos e de baixos valores proteicos, tão do agrado da petizada... Caminho aberto à diabetes e à obesidade.


De tudo isso, resta a necessidade de se regulamentar a publicidade na TV, sobretudo quando a grade de programação atende majoritariamente o segmento infantil. Nos países da Europa e América do Norte, isso já ocorre, o que não significa censura ou restrição autoritária, como entende certos publicitários. Na Noruega, por exemplo, é proibida a veiculação de publicidade nos intervalos dos programas infantis. Explorar mercado não é sinônimo de poder qualquer coisa, para se atingir qualificadas metas de vendas. As culturas dominantes se apropriam da inocência infantil para produzirem mercado a partir de seus universos encantados (Disney), demolindo as referências simbólicas de culturas não dominantes. 

Nesta altura vale a pena refletir sobre um ponto crucial: dispor a criança como público alvo (target) de campanhas publicitárias é proporcionar, no mínimo, uma grave interferência em seu processo de formação e desenvolvimento, distorcendo sua maneira de ser no mundo. Temos hoje em dia uma expectativa de vida mais longa, e diminuir o tempo da inocência infantil incutindo de modo precoce a prática exacerbada do consumo, é oferecer à vida adulta mais tempo para reproduzir a destruição do nosso planeta.
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(E.T.: o texto acima foi baseado e inspirado no documentário Criança, a alma do negócio, de Estela Renner, disponível no seguinte endereço:



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