15 outubro 2009

O amigo Gino



Você deixa o saguão central, atravessa bancos e mais bancos de gente ainda não atendida, alcança a porta e o sol escaldante o atinge ao final da marquise e de sua sombra benfazeja. Caminha uns passos ainda titubeantes, resultantes dos efeitos da anestesia e começa a subir os degraus que conduzem à saída.

Ultrapassa a portaria, vira à esquerda e reconhece o longo percurso até a avenida. Pensa no amigo Gino que encontrará mais tarde, no refeitório coletivo, e pensar nas boas conversas que se seguirão é um modo de entreter sua caminhada, sem remoer a longa espera da madrugada passada. As conversas no saguão central foram, como sempre, deprimentes; os semblantes desgostosos e entorpecidos pela esperança resultaram em uma triste composição de imagens que pretende esquecer. O amigo Gino é a sua esperança, a única que consente, daí seu sorriso inesperado, que se forma discretamente nos lábios. Um belo dia você dele ouviu, “(...) agora finalmente estou preparado para o que der e vier... e sabe por que? Porque estou disposto a correr riscos... Pode ser um pouco tarde, mas agora é que me sinto bem para os desafios...”

A voz quase sem forças de Gino ainda ressoa em seus ouvidos, e você se prepara para encontrá-lo. Você relembra enquanto perambula pelas cercanias opressoras de seu bairro, desmobilizado, sem conseguir organizar os pensamentos. Doloroso caminhar, o calor o detém sob a copa da última árvore. Ainda resta uma trajetória considerável em acentuado aclive, não haverá mais nenhuma sombra fresca. Gotas de suor escorrem por sob o chapéu, umedecendo a cabeça branca. O mal estar aprofunda a angústia, as palavras titubeantes de Gino o alcançam mais uma vez, passo a passo com o apoio da bengala, até recostar-se, por fim, ao tronco de uma árvore, sem forças para outra decisão. Sabe que está morrendo, ainda que segundo o doutor o considere saudável. Uma mentira que lhe parece falta de consideração, ou o que poderia ser pior, falta de comiseração...

Em meio ao estertor, pensa no amigo Gino. O alento por mais um suspiro, um copo de vinho, umas boas palavras e um caloroso abraço e mais nada.

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