Chegam-me relatos dando conta que a casa de mamãe foi vendida. Minhas duas irmãs descrevem-me mais ou menos com as mesmas palavras o que foi a reunião para a venda do casarão. Por certo ainda não me dei conta por inteiro do assunto, isso não será nada fácil. Darei comida aos cães, me distrairei com as caminhadas, eis a melhor solução para o momento. Os fatos se sucedem com uma crueldade dolorosa: mal consigo recuperar-me da dura perda de mamãe e agora a perda definitiva do que restava da matéria de minha juventude.
Aqui, neste meu rincão perdido, vejo as ruas cobertas por espessa camada de neve infinita, extraindo as cores exuberantes da primavera. Agora, sou refém desse branco autoritário que me confina. Penso um pouco naqueles dias felizes, vividos no amplo quintal de terra, as brincadeiras infindáveis com os amigos de escola, os fundos da casa, as parreiras de uvas rosadas tão bem conservadas por papai, meu quarto verde-claro onde dormia e sonhava sob o luar das noites claras, a sala escura passei a melhor tarde com Silvia, os livros de contabilidade apodrecendo nos espaços ocos sob a casa, as reuniões familiares nas festas de fim de ano... mais do que uma página virada, um livro encerrado.
Ao menos venderam por um bom preço. Heloísa me diz que foi a melhor alternativa, uma vez que os custos da manutenção da casa imensa e vazia eram elevados. Lúcia não me fala de cifras, mas me relata a dor que sentiu ao ter de recolher alguns objetos, dentre eles uma pequena pintura de uma casa solitária, de janelas amarelas, plantada aos pés de uma montanha azulada. Não passava de um simples fragmento bucólico, que decorou pelos longos anos de minha juventude a parede da nossa sala. Antes de adormecer, era comum imaginar como seria viver naquele lugar singelo, isolado do mundo. Para uma criança, havia o desafio permanente em desvelar os segredos da montanha azul, como havia o lado intrigante do seu silêncio misterioso. Curioso não me lembrar de haver comentado com Lúcia, ou com quem fosse, o meu apego por esta pintura abandonada, pouco maior que a palma da mão, ponto de partida de frequentes rememorações neste meu exílio profundo.
Aqui, neste meu rincão perdido, vejo as ruas cobertas por espessa camada de neve infinita, extraindo as cores exuberantes da primavera. Agora, sou refém desse branco autoritário que me confina. Penso um pouco naqueles dias felizes, vividos no amplo quintal de terra, as brincadeiras infindáveis com os amigos de escola, os fundos da casa, as parreiras de uvas rosadas tão bem conservadas por papai, meu quarto verde-claro onde dormia e sonhava sob o luar das noites claras, a sala escura passei a melhor tarde com Silvia, os livros de contabilidade apodrecendo nos espaços ocos sob a casa, as reuniões familiares nas festas de fim de ano... mais do que uma página virada, um livro encerrado.
Ao menos venderam por um bom preço. Heloísa me diz que foi a melhor alternativa, uma vez que os custos da manutenção da casa imensa e vazia eram elevados. Lúcia não me fala de cifras, mas me relata a dor que sentiu ao ter de recolher alguns objetos, dentre eles uma pequena pintura de uma casa solitária, de janelas amarelas, plantada aos pés de uma montanha azulada. Não passava de um simples fragmento bucólico, que decorou pelos longos anos de minha juventude a parede da nossa sala. Antes de adormecer, era comum imaginar como seria viver naquele lugar singelo, isolado do mundo. Para uma criança, havia o desafio permanente em desvelar os segredos da montanha azul, como havia o lado intrigante do seu silêncio misterioso. Curioso não me lembrar de haver comentado com Lúcia, ou com quem fosse, o meu apego por esta pintura abandonada, pouco maior que a palma da mão, ponto de partida de frequentes rememorações neste meu exílio profundo.
Agora posso olhar a neve sem receios. Não será mais possível retornar a nossa casa, com papai, mamãe e minhas irmãs, mas o resgate da pequena paisagem me anima a aguardar o primeiro vislumbre da primavera, impedindo que a saudade se desvaneça em amargura.
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