Em Chamas da Vingança (Man on fire), Denzel Washington faz o papel de um vingador valente, que extermina uma rede de sequestradores no México. Pobre Denzel, ainda me recordo de sua exuberante atuação como Steve Biko e aos poucos vejo-o arrastando-se para a vala-comum dos mortais. Uma narrativa ágil, enxuta, insossa e explosiva como todo descarte fílmico da pós-modernidade, que revelou duas coisas: a primeira, uma profusão de impactos que mais cansam do que criam tensão e suspense; e a segunda, a visão míope que nossos brothers do norte têm de nuestra realidad, visão que persiste preconceituosa. Em meio à corrupção e incompetência da polícia mexicana, desponta o caos urbano da cidade do México, aprofundada em seus bolsões de riqueza e pobreza, sem que haja um diálogo inteligente sobre essa desigualdade. Ao contrário, o feio e miserável é perigoso, o bonito é atraente. E o mestiço, suspeito, quando não culpado. Isso ocorre na família protagonista da história: a filhinha e a mãe, loiras insuspeitas, beleza que segue o melhor padrão publicitário, amáveis e sensíveis; e o pai, um tipo mestiço, de comportamento inseguro, atormentado pelo crime cometido (claro, ele tinha de estar envolvido em um crime). O bem e o mal dentro da mesma família.
O olhar tacanho sobre o que existe abaixo do rio Grande não atrapalha a indústria do entretenimento, ao contrário, a miséria latina costuma ser um tema divertido (ou no caso, um filão mercadológico). Além da rapina da nossa auto-estima, nossos brothers nos entretêm acreditando-nos como idiotas dominados pelo mal, aprofundando o abismo entre nossa essência e sua representação. É nesse ambiente que o segurança-militar Denzel surge como solução narrativa, disparando tudo o que a indústria armamentista dispõe a serviço do bem. A lei é jogada no lixo, pois o vingador precisa agir e do lado de cá da fronteira tudo é permitido. Perpassa na narrativa a prevalência de uma moral irredutível, vencedora, impondo-se sobre uma realidade tosca, a ser resgatada de suas mazelas culturais e de sua essência criminosa...
Podemos entender, a partir dos filmes estadunidenses desse tipo, o que foi a era Bush. Sua paranóia pela segurança da civilização eleita refletiu a ignorância que essa mesma civilização tem de nós e do resto do mundo, de tal modo que se torna mais fácil considerar o diferente como o inimigo. Na esteira do que dizia Bush, “Faremos o que for necessário para preservarmos nossos interesses”, a personagem de Denzel não deixa por menos e afirma que “Matarei todos os que me perseguem” e a velha cantilena de identificar e destruir o mal se reproduz. As coisas se encaixam na medida em que nosotros seguimos absorvidos por uma espécie de tolerância patética, enquanto a cultura hegemônica se apropria de nossas representações, de nossa dor e sofrimento para fazer negócios e, claro, proporcionar diversão.
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