23 março 2009

O acordo



Pois foi assim que a coisa terminou, em um belo acordo. Os representantes do Governo chegaram pela manhã e se dirigiram à cela principal do presídio, onde aguardavam os representantes da facção criminosa Poder do Comando Central. Após rápidos cumprimentos, o chefe da facção deu uma aspirada mais forte na bagana que fumava e deu início às negociações. Arrastaram as cadeiras para junto da televisão, que serviria de mesa improvisada e Cabeça de Cavalo pediu a todos que se retirassem, que ficasse ele e José Manuel, conhecido entre os detidos por Zé Mané, para os detalhes da negociação.

Proposta aceita, José Manuel abriu sua pasta e colocou os papéis sobre a mesa de 24 polegadas. Cabeça de Cavalo olhou para a testa de José Manuel, deu outra longa tragada e falou pausadamente, empurrando a papelada para o chão, Sem papéis, vamos acertar as coisas no papo reto, e soltou uma saborosa baforada nas fuças do interlocutor, Ou assim ou pode voltar de onde veio...

José Manuel sentiu o pescoço estrangular sob o nó da gravata. Quis ganhar tempo, afinal era sua especialidade adquirida em anos de vivência na administração pública, enrolar até que as coisas se acomodassem na mesma. Olhou de soslaio, para a porta da cela, lá estava o fiel Diegão, pronto para referendar qualquer sinal do chefe. Recolheu os papéis enfiando-os de volta na maleta. Tem duas coisas aí que não dá pra acertar, balbuciou com certa confiança, disposto a renegociar o acordo selado, estufando o peito, mas cometendo o deslize de expressar um sobrolho de incerteza. Cabeça de Cavalo não perdeu de imediato a paciência, mas moveu o tronco na direção de Zé Mané e, catando-o com vigor pela gravata, puxou-o para bem perto das fuças. Não tem que propor nada, é o que é, ou faz do nosso jeitinho ou assume a merda que vai dar!... 

Ao terminar sua frase, pronunciada palavra por palavra, largou Zé Mané e com um meneio de cabeça, indicou para Diegão chamar a guarda. Três policiais assomaram apressados à porta da cela e Zé Mané, arrumando a gravata e o colarinho, ensaiou um derradeiro comentário, que foi esmagado no nascedouro por Cabeça de Cavalo. Com a mão, fez o gesto de um revolver e com a ponta do dedo indicador contornou no ar o corpo do político. Sorriu diante da perplexidade da lei ali representada e afastou-se, agora reproduzindo um celular, Por enquanto estamos entendidos, seguimos em contato!

Zé Mané retirou-se com sua guarda, preservando a altivez de um lacaio e silencioso como um burocrata do terceiro escalão. Encerrava-se sem mais nem menos a tratativa que a opinião pública jamais teria conhecimento em suas pérfidas nuanças.


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