O que me impressionou em Le mani sulla città foi a atualidade de seu tema e a contundência de sua narrativa. Francesco Rosi expõe de maneira implacável os meandros das negociatas envolvendo políticos e a construção civil, em detrimento do planejamento urbano. Mais do que isso, demonstra como os interesses entre as partes podem se fundir na ação de um político, Edoardo Nottola (o excelente Rod Steiger), que atua em nome de seus interesses como empresário imobiliário. Ele não se detém diante das dificuldades, contorna-as com frieza necessária, típica daqueles que sabem rodear a borda dos mais íngremes desfiladeiros, sem padecer de enjoos. Não se dobra aos sentimentos, movimenta-se como uma retroescavadeira demolindo edificações degradadas e as efêmeras resistências políticas.
Nottola é o estereótipo acabado do empresário imobiliário cuja fome não tem limites. Sua luta alimenta o instinto devorador que as oportunidades se lhe oferecem e isso é suficiente para colocá-lo em vantagem sobre seus adversários, ou até mesmo seus companheiros de partido. Sabe que são feitos de carne e osso, com sentimentos delineados por algum sentido ético na tomada das decisões, e é aí que ele se supera, jogando suas fichas com astúcia.
Escrúpulos são exigidos aos políticos com sangue nas veias e um mínimo de responsabilidade junto ao seu eleitorado, não para Nottola. Ele ignora essas questões menores, transcendendo continuamente seus horizontes. É o que basta para arriscar o que for necessário para salvaguardar seus intentos ambiciosos. Entre uma e outra situação, a única evidência humana em seu semblante é o suor da tensão, que o coloca entre o fracasso momentâneo e a vitória na próxima esquina. A música de Piero Piccioni aprofunda o impacto da feiúra e da descontinuidade arquitetônica da cidade, sobretudo no início, quando a vemos do alto, em planos gerais tomados por helicóptero.
Seguramente Le mani sulla città sugestionou Luiz Sérgio Person - que o viu pouco antes de voltar da Itália para rodar seu estupendo São Paulo S/A - seja no delineamento de sua personagem central, Carlos (Walmor Chagas), também uma espécie de proto-fascista preso em seu individualismo; seja na presença onipresente da cidade ao se insinuar na narrativa como pano de fundo, como palco privilegiado, ou mesmo como personagem, tenebrosamente refletida nos vidros opacos, espectro resultante da impostura humana.
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