01 fevereiro 2009

Contrato entre farsantes (antes da crise...)



Foi então que, ao se esgotarem todas as possibilidades de compras ou fusões, o Grande Conglomerado decidiu-se pela compra do mundo. O problema passou a ser com quem negociar, com o presidente da nação mais rica, com um pool de economistas das principais potências ou, descartando completamente as alternativas políticas, restringir as conversações ao âmbito empresarial.

Resolvida a pendência, o presidente do Grande Conglomerado, acompanhado por seu séquito de colaboradores, passou a deslocar-se de maneira obsequiosa, a princípio entre Londres, Paris, Berlim, estendendo os contatos de cúpula para Tóquio e Beijing. Suspendeu suas consultas itinerantes ao constatar as recepções interesseiras dos governantes ao seu projeto. Retornou a Miami e dali fez uma proposta via internet aos representantes mundiais, prometendo aguardar dois dias para as deliberações finais, ignorando o fórum das Nações Unidas. Recebeu dezoito respostas. Achou um ultraje, O mundo não está me levando a sério, esbravejou, e num movimento mais decidido, ligou para seus principais gerentes espalhados pelos quatro cantos do mundo e ordenou um relatório de demissões sumárias. 


Nesse meio tempo, discou para o presidente da Grande Nação, em Washington, Presidente, desejo informar-lhe que estou comprando o mundo, incluindo esta imponente nação, e a minha proposta será divulgada no NY Times de amanhã. Tenha um bom dia. Desligou o telefone e suspirou fundo. Mais tranqüilo, lembrou-se (e não saberia dizer o porquê) de Burgess Meredith encarnando o Pingüim na série Batman e resolveu dar uma volta pelo jardim de sua mansão, enquanto seus assessores preparavam o conteúdo do texto a ser enviado ao jornal, bem como a minuta do contrato.

Antes do Grande Conglomerado assumir o controle global, as demissões pelo mundo foram cuidadosamente preparadas para que não causassem grandes danos à engrenagem do sistema. A grande mídia cumpriu seu papel ao explorar mercadologicamente as muitas futilidades do processo, sem provocar as suscetibilidades de quem passava a mandar. Algo se falou da renegociação dos títulos da dívida pública, da casa de campo dos diretores e do estilo de comandar do presidente do Grande Conglomerado, matérias leves e digestivas. De outra parte, os demitidos tornaram-se um tema maldito, aos poucos desaparecendo do noticiário e passando a ser perseguidos pela polícia política e pelos pitbulls dos novos ricos. Os que tentaram manifestar um repúdio organizado foram prontamente enquadrados na nova lei de segurança mundial. A maioria se convenceu a retomar a vida ordinária sem um pio.


O ex-presidente da ex-Grande Nação pôde retomar suas tardes de golfe, tornando-se mais tarde um dos executivos menores do Grande Conglomerado. As principais bolsas do mundo, nos dias subseqüentes ao anúncio do negócio, fecharam o movimento em alta, detalhe sem qualquer relevância.



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