Foi a última vez que estive com Julie, aquela tarde encoberta, úmida, distante. Recordo-me da longa caminhada desde sua casa até a estação. Não nos falamos, cada um com seus motivos, e por um momento fugidio, voltei-me para o rosto suave, marcado pela dor de tantas certezas. Quis compreender que lhe parecia difícil dar andamento ao percurso, porque era a sensação que me invadia naquele instante, e que nos deixava impotentes. Aqueles parcos quinhentos metros, ao cabo dos quais eu tomaria o trem e não mais nos veríamos. Uma vida merecia despedida assim definitiva?, pensei com meus botões, e logo me aprumei, mirando o asfalto molhado que se estendia pela frente.
Recordo-me com nitidez da serenidade a nos envolver, que retinia os ecos do último diálogo, um conjunto de breves monólogos. Nos sentamos no banco da praça e ali ficamos, lado a lado, dando alento a uma espera infrutífera, enquanto acariciava-lhe uma das mãos. Vestia um cachecol listrado, que dava duas voltas em seu pescoço e escondia-se parcialmente por baixo do casaco verde. Uma perna dobrada sobre a outra, a calça de veludo marrom que revelava graciosamente as meias de lã colorida, e por fim os sapatos de camurça que lhe presenteara no natal anterior. Falou do viço das árvores em dias chuvosos, do sono de seu gato sobre o tapete, da demora das noites de inverno... Na verdade, não queria falar, mas precisava de alguma forma ocultar o silêncio.
Recordo-me também de aproximá-la de mim, e sua cabeça acomodar-se em meu ombro. Pude, enfim, abraçá-la, sentir ainda uma vez o cheiro característico de seu perfume, reter um pouco mais comigo o corpo e a alma que tão bem conhecia, a despeito do vento e da garoa diáfana, que aos poucos nos cobriu com seu orvalho indelicado. Permanecemos, quietos, invencíveis, como se aquele banco de concreto oferecesse nossa última chance. Os pensamentos se acumularam, tornaram-se nebulosos como o dia, e vagos, e dolorosos, conduzindo-nos cada qual para o complemento da jornada.
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