21 fevereiro 2010

Três vezes Ernesto




Tarde ensolarada de domingo, convidativa para o passeio na praça. As pessoas vão chegando aos poucos, pela expressão sofrida jovens dos bairros mais pobres. Vestem em sua maioria roupas negras e trazem faixas vermelhas, que aos poucos decoram o ambiente. Enormes faixas, que são suspensas nos vãos entre as árvores, declarando o movimento ao qual pertencem. Pergunto para um dos que estão na tarefa do que se trata, ele me diz que haverá um evento político, e depois um show de bandas de rock.

Circulo pela praça e escolho um lugar com sombra. Abro meu livro e adentro a narrativa. Um casal senta-se junto a mim, traz seu pequeno filho de onze meses. Aprecio o jeito deles, me apresento. São simpatizantes do movimiento obrero. Ela, trabalha numa fabrica a quinze quilômetros do centro, ele faz uns bicos na construção civil. Ganham juntos, nos bons meses, mil e oitocentos pesos, algo como mil e duzentos reais. Brinco, dizendo que o garoto nasce em um berço de lutas, ao que sorriem abertamente. Outras famílias vão chegando neste sete de outubro, dia da prisão do Che.

No dia seguinte, encontrei em uma loja, na Corrientes com Callao, o filme Contra Site. Chamou-me a atenção a ousadia estética e de linguagem, como tema as buscas das ossadas do Che, em Vallegrande, um vilarejo boliviano. Os autores, Fausta Quattrini e Daniele Incalcaterra, completamente desconhecidos. À noite, consultei um hóspede sobre a possibilidade de zapear em seu notebook o filme, e ele não só concordou como achou uma forma de instalá-lo numa mesa, de tal forma que poderíamos dividir o prazer de vermos o filme juntamente com mais pessoas. 

O começo difícil, flui dentro das experimentações tecnológicas que a construção de um site oferece, enquanto desponta o questionamento da atitude extrema da equipe de haver se isolado em um lugar inóspito. Surgem dificuldades na obtenção de informações direto das escavações, dificuldades que promovem os primeiros problemas nas relações dos integrantes da equipe. O formato da proposta fílmica foi aos poucos assimilado e ao final nós, a meia dúzia de espectadores, terminamos satisfeitos. Começamos um pequeno debate sobre o tema, que avançou pela madrugada.

Na terça-feira, lia o Página 12 em uma livraria na Santa Fé e minha atenção foi subitamente deslocada para um pequerrucho, que corria e se esfalfava por entre as mesas da cafeteria. Quando passou próximo, decidi puxar conversa e perguntei-lhe o que fazia. Desatou a falar, com a propriedade e a disposição que um jovencito de seis anos não costuma ter. Para não ficar aburrido junto aos pais, aguardando-os terminar a leitura, resolveu ocupar os espaços e brincar. Perguntei onde estavam seus brinquedos, ele disse que não os tinha trazido, mas não estava triste. E falou mais, que tinha um irmãozinho, que gostava do Rosário Central, das brincadeiras com os novos amiguinhos, que o aguardavam. Pelo que percebi, era o que comandava as ações. Resolveu partir e então lhe perguntei seu nome, ao que me respondeu, já
en route, Ernesto.

E buscou o convívio mais agradável com os amiguinhos. Antes de retomar minha leitura um pensamento se formou, a continuar assim, com seus vinte anos a cidade será pequena para sua inquietude e quem sabe Ernesto compre uma moto e se lance pelo mundo, aventurando-se por novos projetos...



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