Nas bancas, essa profusão de revistas vendendo beleza e imortalidade...
bobagem, tudo bobagem...
nos escritórios da modernidade, a busca incessante pelo sucesso a qualquer preço...
mais bobagens...
o esforço diário que, abandonando o essencial para a vida, se volta para os projetos descartáveis...
Quanto artificialismo, quanta perda de tempo! Circulo pelas ruas e já não vejo os semblantes calmos, saudáveis, regidos pela sagração do espírito coletivo...
Retoma-se a vida sem vida, as cobranças estigmatizadas, os movimentos individualizados, febris, que desconstroem o corpo, em nome do bem-estar corporativo...
Quando não, deparo com esse espírito blasé, de quem mostra ter muito a dizer e não passa de um poço de movimentos desprezíveis... os dândis que se forjam em berço de ouro e, por não ter mais o que fazer, se auto imolam em uma desesperança fútil. Como nos fala Baudelaire, 'possuem, à sua vontade e em larga medida, o tempo e o dinheiro sem os quais a fantasia, reduzida ao estado de devaneio passageiro, pouco pode traduzir-se em ação'...
Ainda há pouco li sobre um desses, sujeito de grandes posses e influência na sociedade, que vê seu império ruir silenciosamente, a dor de estômago aumentar e, talvez em razão disso, reage remoendo a sua indiferença pelo mundo. A literatura, para esse indivíduo encastelado na Weltanschauung de uma aristocracia que igualmente fenece, não passa de 'um testemunho do fracasso, algum tipo de falência'...
Sugestivo, se não fosse patético.
Mas, as coisas vitais para a vida. O sonho, o prazer, a literatura... juntos, constituem a alegria indizível, a coroar a sutileza da vida. Há mais: o encontro, o sorriso como resposta, o amor, essa terna solicitude de nossa condição humana...
Como somos frágeis! Essa fragilidade deveria nos alertar para as bobagens que nos estimulam a nos fragmentar em objetivos inalcançáveis... e de novo a sofreguidão em torno da beleza e da imortalidade. E a poesia? Nada de poesia em um mundo vexado pela intolerância...
Diz Zumthor, a respeito da voz poética, 'A partir desse sim primordial, tudo se colore na língua, nada mais nela é neutro, as palavras escorrem, carregadas de intenções, de odores, elas cheiram ao homem e à terra'... quanta força, quão adorável exaltação, contida em uma sentença! Eis a poesia, que nos oferece o frescor do bem coletivo, da resistência cotidiana, e ainda assim ignorada...
Como uma exigência ontológica de nossa condição, nos realizamos comprometidos com nossas ações. Só não se compreende porque elas insistem em tornar-se tão submissas, inócuas... E nos diz Bauman, 'essa nossa sociedade de indivíduos que buscam desesperadamente a individualidade, não há escassez de auxílios (...) que (pelo preço certo) se mostrarão dispostos a nos guiar pelos calabouços sombrios de nossas almas'...
A autoajuda midiática, que nos acaricia com seus prazeres levianos, que nos vicia com sua torrente infindável e não cansa de nos atirar ao calabouço sombrio de nossas almas... Antes da tentação fútil da imortalidade, instigada de maneira irresponsável, mercantilizada (ambas as adjetivações coexistem e encontram guarida em cada calabouço sombrio) poderíamos ouvir as preces de Unamuno, que ecoam vigorosas por onde passam, 'Não quero morrer, não, não quero nem quero desejá-lo; quero viver sempre, sempre, sempre, sempre, e viver este pobre eu que sou e sinto ser agora e aqui, e por isso me tortura o problema da duração da minha alma, da minha própria vida'...
e prossegue, em sua soturna esperança, 'Oh, quem pudera prolongar este doce momento e dormir nele e nele eternizar-se!'.
A angústia da existência não nasce como produto adequado ao mercado, que voraz e manipulador, não se adequa à poesia da vida. Não somos mais, não somos menos; somos a justa medida que se realiza em meio às relações sociais, devotados ao bem-estar comum. O sonho de uma vida feliz e digna não pode estar fora dessa constatação.
Estamos presentes, e disso podemos lograr alguma coisa...
(dedicado ao meu querido tio José Roberto Gasparini, 1941-2010).
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