Prestei bastante atenção na garota sentada num banco, do outro lado da cerca: uma vez retirado o papel que envolvia a maçã, sobreveio a primeira mordida. Observei-a detidamente, com um prazer que não se esgotava. Ela saboreou metodicamente toda a fruta, com gestos pausados e tranquilos. Ao terminar com a maçã, deixei-a e prossegui em meus passos, margeando o gradil de ferro. Pensei então que seria uma boa ideia fotografar aspectos da paisagem, agora com o intuito de marcar as diferenças visíveis do lado de cá da cerca e do lado de lá. Enquadrar as casas, os edifícios, os parques, o movimento urbano, tendo como motivo principal as pessoas. As deste lado pareciam menos tensas, mais resolutas. Já do outro lado, as ações eram mais suaves, e a bela com a maçã fora um bom exemplo desta leveza. As do lado de cá pareciam ocultar o semblante, impedindo distinguir com nitidez suas expressões, o que me incomodou um pouco. Persisti no esforço e continuei sem sucesso. Não posso fotografar temas que não consigo identificar, expus ao meu acompanhante, ao que ele replicou, Tente aproveitar ao máximo o passeio, seja prático.
Voltei a observar o outro lado e fui preenchido por uma desolação ainda mais intensa. Posso perceber que sua sensibilidade põe tudo a perder, arguiu meu acompanhante, sem que eu tivesse me manifestado. Era evidente como as pessoas de lá andavam mais próximas umas das outras, se tocavam com frequência, abraços e beijos seguidos de longas conversações, tomados por um humor saudável. E igualmente me pareceu que se valorizava a dimensão humana em detrimento dos bens materiais: os imóveis, os autos, as bicicletas, os carrinhos de bebês pareciam antiquados. A impressão é que davam valor ao prazer de desfrutar a luz do sol. Mas do nosso lado também há gente que aprecia o sol, interveio meu acompanhante. Não é só isso, percebo uma clara diferença entre os dois lados, procurei embaralhar o controle mental exercido por meu interlocutor, ao que ele emendou, Não há novidade nenhuma em sua constatação, senhor B, pois bem sabe que aqui e lá são lados distintos de uma mesma moeda. Continue, disse-lhe, esforçando-me por mostrar interesse. Veja, aos poucos poderá constatar que por aqui as coisas funcionam sem interferências, as pessoas preocupam-se com o ganho de suas vidas e são felizes com isso, afirmou. Ora, mas estamos rodeados de artificialismos... e esse controle mental..., ao que ele me interrompeu bruscamente, Acalme-se, tantas novidades têm cansado um pouco o senhor... Minha opção foi assestar a câmara para o rio poluído, pensando em uma fração de segundo quando poderia ter de volta a minha liberdade. O senhor sabe muito bem, a felicidade não é compatível com a liberdade... redarguiu de imediato e completou, Agora, por favor, sem perguntas, sem reflexões, aproveite o passeio...
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