28 fevereiro 2010
O intelectual impoluto
27 fevereiro 2010
Aproveite o passeio
Prestei bastante atenção na garota sentada num banco, do outro lado da cerca: uma vez retirado o papel que envolvia a maçã, sobreveio a primeira mordida. Observei-a detidamente, com um prazer que não se esgotava. Ela saboreou metodicamente toda a fruta, com gestos pausados e tranquilos. Ao terminar com a maçã, deixei-a e prossegui em meus passos, margeando o gradil de ferro. Pensei então que seria uma boa ideia fotografar aspectos da paisagem, agora com o intuito de marcar as diferenças visíveis do lado de cá da cerca e do lado de lá. Enquadrar as casas, os edifícios, os parques, o movimento urbano, tendo como motivo principal as pessoas. As deste lado pareciam menos tensas, mais resolutas. Já do outro lado, as ações eram mais suaves, e a bela com a maçã fora um bom exemplo desta leveza. As do lado de cá pareciam ocultar o semblante, impedindo distinguir com nitidez suas expressões, o que me incomodou um pouco. Persisti no esforço e continuei sem sucesso. Não posso fotografar temas que não consigo identificar, expus ao meu acompanhante, ao que ele replicou, Tente aproveitar ao máximo o passeio, seja prático.
Voltei a observar o outro lado e fui preenchido por uma desolação ainda mais intensa. Posso perceber que sua sensibilidade põe tudo a perder, arguiu meu acompanhante, sem que eu tivesse me manifestado. Era evidente como as pessoas de lá andavam mais próximas umas das outras, se tocavam com frequência, abraços e beijos seguidos de longas conversações, tomados por um humor saudável. E igualmente me pareceu que se valorizava a dimensão humana em detrimento dos bens materiais: os imóveis, os autos, as bicicletas, os carrinhos de bebês pareciam antiquados. A impressão é que davam valor ao prazer de desfrutar a luz do sol. Mas do nosso lado também há gente que aprecia o sol, interveio meu acompanhante. Não é só isso, percebo uma clara diferença entre os dois lados, procurei embaralhar o controle mental exercido por meu interlocutor, ao que ele emendou, Não há novidade nenhuma em sua constatação, senhor B, pois bem sabe que aqui e lá são lados distintos de uma mesma moeda. Continue, disse-lhe, esforçando-me por mostrar interesse. Veja, aos poucos poderá constatar que por aqui as coisas funcionam sem interferências, as pessoas preocupam-se com o ganho de suas vidas e são felizes com isso, afirmou. Ora, mas estamos rodeados de artificialismos... e esse controle mental..., ao que ele me interrompeu bruscamente, Acalme-se, tantas novidades têm cansado um pouco o senhor... Minha opção foi assestar a câmara para o rio poluído, pensando em uma fração de segundo quando poderia ter de volta a minha liberdade. O senhor sabe muito bem, a felicidade não é compatível com a liberdade... redarguiu de imediato e completou, Agora, por favor, sem perguntas, sem reflexões, aproveite o passeio...
22 fevereiro 2010
Clarice e Fernando
21 fevereiro 2010
Três vezes Ernesto
Tarde ensolarada de domingo, convidativa para o passeio na praça. As pessoas vão chegando aos poucos, pela expressão sofrida jovens dos bairros mais pobres. Vestem em sua maioria roupas negras e trazem faixas vermelhas, que aos poucos decoram o ambiente. Enormes faixas, que são suspensas nos vãos entre as árvores, declarando o movimento ao qual pertencem. Pergunto para um dos que estão na tarefa do que se trata, ele me diz que haverá um evento político, e depois um show de bandas de rock.
Circulo pela praça e escolho um lugar com sombra. Abro meu livro e adentro a narrativa. Um casal senta-se junto a mim, traz seu pequeno filho de onze meses. Aprecio o jeito deles, me apresento. São simpatizantes do movimiento obrero. Ela, trabalha numa fabrica a quinze quilômetros do centro, ele faz uns bicos na construção civil. Ganham juntos, nos bons meses, mil e oitocentos pesos, algo como mil e duzentos reais. Brinco, dizendo que o garoto nasce em um berço de lutas, ao que sorriem abertamente. Outras famílias vão chegando neste sete de outubro, dia da prisão do Che.
No dia seguinte, encontrei em uma loja, na Corrientes com Callao, o filme Contra Site. Chamou-me a atenção a ousadia estética e de linguagem, como tema as buscas das ossadas do Che, em Vallegrande, um vilarejo boliviano. Os autores, Fausta Quattrini e Daniele Incalcaterra, completamente desconhecidos. À noite, consultei um hóspede sobre a possibilidade de zapear em seu notebook o filme, e ele não só concordou como achou uma forma de instalá-lo numa mesa, de tal forma que poderíamos dividir o prazer de vermos o filme juntamente com mais pessoas.
Na terça-feira, lia o Página 12 em uma livraria na Santa Fé e minha atenção foi subitamente deslocada para um pequerrucho, que corria e se esfalfava por entre as mesas da cafeteria. Quando passou próximo, decidi puxar conversa e perguntei-lhe o que fazia. Desatou a falar, com a propriedade e a disposição que um jovencito de seis anos não costuma ter. Para não ficar aburrido junto aos pais, aguardando-os terminar a leitura, resolveu ocupar os espaços e brincar. Perguntei onde estavam seus brinquedos, ele disse que não os tinha trazido, mas não estava triste. E falou mais, que tinha um irmãozinho, que gostava do Rosário Central, das brincadeiras com os novos amiguinhos, que o aguardavam. Pelo que percebi, era o que comandava as ações. Resolveu partir e então lhe perguntei seu nome, ao que me respondeu, já en route, Ernesto.
E buscou o convívio mais agradável com os amiguinhos. Antes de retomar minha leitura um pensamento se formou, a continuar assim, com seus vinte anos a cidade será pequena para sua inquietude e quem sabe Ernesto compre uma moto e se lance pelo mundo, aventurando-se por novos projetos...
17 fevereiro 2010
Fluxo de consciência...
08 fevereiro 2010
Quantas vezes mais?...
04 fevereiro 2010
Chuva de perceptos
Dresden, inverno de 2010 |