Com uma semana em Caracas, me desvencilhei do estranhamento inicial. Passo a passo, coloquei-me a par das nuanças da vida urbana, suas especificidades, observando cada dia com mais desprendimento os costumes e a gente caraquenha. Além de conhecer novos sítios interessantes, participei de mobilizações sociais, estabeleci contatos com mídias comunitárias, conheci pessoas interessantes, sorridentes, gentis, marquei encontros, descobri lugares para se beber uma boa cerveja, para se tomar um bom café, para ler, escrever, ouvir salsa, andei à pé, de metrô, de teleférico, tornei-me, enfim, um flâneur da cidade. Sempre um lugar desconhecido nos propõe desvendá-lo, e era minha proposta desde o início me permitir aos desafios. Um pouco mais e me apaixonaria por Caracas, pela feia e desconjuntada Caracas.
Um dos fatores que contribuíram para ‘descobrir’ Caracas foi o golpe em Honduras. Apenas dois dias depois de minha chegada, ele estourou com força nos meios midiáticos venezuelanos e nas ruas. Em pleno domingo, me vi em meio a manifestações de rua diante do palácio Miraflores, perto de dez mil pessoas levando a solidariedade a Manuel Zelaya, o presidente deposto, e ao povo de Honduras. Pela televisão, tive a oportunidade de confrontar as informações provenientes da CNN e da Globovisión – uma espécie de Globo venezuelana, claramente anti-governo – que avaliavam os acontecimentos com irritante naturalidade, dentro da fórmula “sucessão forçada de governo”, enquanto a TV Sur – governamental – acompanhava desde Tegucigalpa os fatos, com uma correspondente que mais tarde seria detida pelo exército hondurenho.
Um dos fatores que contribuíram para ‘descobrir’ Caracas foi o golpe em Honduras. Apenas dois dias depois de minha chegada, ele estourou com força nos meios midiáticos venezuelanos e nas ruas. Em pleno domingo, me vi em meio a manifestações de rua diante do palácio Miraflores, perto de dez mil pessoas levando a solidariedade a Manuel Zelaya, o presidente deposto, e ao povo de Honduras. Pela televisão, tive a oportunidade de confrontar as informações provenientes da CNN e da Globovisión – uma espécie de Globo venezuelana, claramente anti-governo – que avaliavam os acontecimentos com irritante naturalidade, dentro da fórmula “sucessão forçada de governo”, enquanto a TV Sur – governamental – acompanhava desde Tegucigalpa os fatos, com uma correspondente que mais tarde seria detida pelo exército hondurenho.
Enquanto as TVs privadas mostravam em seus noticiários entrevistas com ‘experts’ em ciência política ou direito internacional, sempre encontrando formas de validar o golpe, as TVs governamentais (além da TV Sur, Vive, Venezuelana de televisión, TVes) cobriam em pool, praticamente em tempo integral, o desdobramento dos acontecimentos, fosse em Tegucigalpa, em Washington (com o chanceler venezuelano na OEA), em Caracas (com intervenções de líderes do governo).
Assim, foi possível dispor de todas as informações, por todos os meios midiáticos, de todas as tendências, que aproveitaram o alzamiento para um embate aberto pela informação. Nas ruas, o que se viu foi a manifestação acima descrita, no domingo, onde identifiquei pelo menos duas rádios comunitárias cobrindo o evento – Junquitena e Negro Primero, e ao longo da semana, inúmeras manifestações de apoio ao governo deposto de Honduras, nos chamados Colectivos Socialistas, barracas em pontos estratégicos da região central, que transmitiam em tempo real o desdobramento da crise.
Foi possível ver, a partir desse embate midiático, que ao contrário de um processo ditatorial tão reverberado na mídia brasileira, existe sim uma ampla abertura à participação popular, já que fartura de informação não falta. O que ocorre, e isso é visível, a oposição venezuelana (como a brasileira) não possui um projeto político viável. A burguesia caraquenha odeia Chávez e tudo que recenda a participação popular. Pensa no poder como meio de satisfazer suas ambições, e ponto. Em compensação, a população menos favorecida, moradora nos barrios, secularmente alijada por centros de decisão política, está ao lado de Chávez em seu esforço por implementar as transformações sociais.
De modo que essa ruptura na sociedade venezuelana existe na forma de uma fratura exposta, sem conciliações à vista. Como dizem Rómer e Carol, um jovem casal que conheci em viagem a Choroní, “a proposta socialista de Chávez tem pontos positivos e negativos, o que está sendo implementado na saúde, educação, moradia, é um avanço, ainda não suficiente... há muito o que se fazer...”, deixando claro que apóiam o governo. Encontrei vozes dissonantes, como Gregório, recém-chegado de uma viagem a estudos da Itália: “o que esse governo faz é criar uma classe social, nivelada por baixo, pela pobreza”. No El Arroyo, outro hotel por que passei, Helena, a bela e simpática atendente dizia-se "chavista, por supuesto", enquanto seu chefe, o bom de papo Nelson, mostrava-se sempre cético “naquilo que o governo põe as mãos...”.
E prossegui desvelando essas incompatibilidades, que de algum modo se manifestaram ao sabor da espontaneidade do venezuelano. Poderia falar do amigo Títi, grande prosador; de Sebastián, el guarachero, de Rosana e seu sorriso insinuante; de Júlio, o faz-tudo; de Juan, o canoeiro; de Vicente, o pescador que se pescou; de Zuleima e seu bebê por nascer, da suavidade da playa de Chuao... mas isso já é outra conversa...
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