20 julho 2009

Venezuela que se transforma



Se você me perguntar qual a imagem mais representativa que guardo da Venezuela, diria sem demora, o jeito simples do povo venezuelano, que exprime naturalmente o amor pela sua cultura. Se isso ocorre, não tenho dúvidas que o grande mérito se deve à atuação do governo de Chávez, por sua forte atuação social, priorizando os anseios coletivos e a cultura nacional. Com isso, reconstrói a auto-estima e os valores comunais, dando alento ao que antes era irremediável desconsolo. Poderia perder-me aqui em divagações burguesas, analisando aspectos formais da sociedade venezuelana, mas gostaria de abordar alguns aspectos que me deixam orgulhoso – e esperançoso – de que a opção do socialismo bolivariano seja uma saudável vereda, como alternativa ao mainstream insalubre do capitalismo neoliberal.

A meu ver, a marca dessa saudável vereda que se abre é a recuperação social (que para os incautos pode ser lenta ou corrupta), fundamentada na distribuição de instrumentos de participação política. Constrói-se um caminho ideológico de consciência e atuação na realidade social, e isso para mim é uma enorme conquista. O senso comum capitalista avalia essa experiência com desdém, quando não com virulento repúdio. Não retomarei aqui essa discussão, que prolongaria exageradamente meu comentário, apenas digo que a cada dia que passo aqui em minha cidade e rememoro meus dias venezuelanos, aprofundo uma certeza íntima que o caminho que se constrói na Venezuela tem de ser reconhecido e respeitado.


Ver, por exemplo, a rede comunitária de comunicação que se expande na capital, dando voz à mobilização popular (os conselhos comunais) é algo especialmente estimulante para mim, um professor da área de comunicação. Os jovens que acompanhei, por exemplo, na programação da ÁvilaTV, discutindo questões pertinentes à juventude urbana, com um desprendimento e uma leveza admiráveis, foi algo que me confirmou esse anseio pela conquista dos meios, com a excelência dos programas, da edição, direção, qualidade de imagem, agilidade no trato dos temas sociais, nos vídeos realizados nas comunidades, enfim, um aperfeiçoamento contínuo do domínio da tecnologia, e nesse caso a serviço do bem-estar social.


Por mais que as vozes dissonantes não aprovem os caminhos que são abertos para todos, com prioridade para uma maioria secularmente abandonada, não há como não se louvar o esforço que se realiza, bem como os resultados que se alcançam. Os programas de educação, malgrado os problemas de se alcançar a excelência na formação dos professores voluntários, prosseguem e dão novas esperanças para aqueles que sequer sabiam ler e escrever. A incansável Hermes, atuante no conselho comunal de Chuao, presenteou-me com uma gorra do projeto Robinson, que cuida da alfabetização de jovens e idosos. Também os programas de medicina preventiva realizada nos barrios das grandes cidades prosseguem.


A ideia principal é transferir o modelo de democracia representativa para um de democracia participativa. Aqui no Brasil, as prefeituras do PT criaram com algum sucesso os orçamentos participativos. Na Venezuela, a ideia é que a participação seja praticada em todas as instâncias da vida social. No caso, as comunas assumem um papel decisivo, porque é a partir do seu coletivo que se organiza a democracia participativa. Cabe ao poder central gerenciar as demandas comunais e proporcionar recursos para que as comunidades se desenvolvam.


Dez anos de socialismo bolivariano permitiram sensíveis avanços sociais, diminuindo o abismo que separava os mais ricos dos mais pobres. Vi pobreza, mas não miséria; também não vi uma polícia que maltrata os menos favorecidos, para dar satisfações aos mais privilegiados. Nas mídias, ao menos as ligadas ao governo, não se percebe a ditadura de índices econômicos que nos aporrinha diariamente, as novelas de enredo único, ou a reprodução de um padrão étnico (predominantemente branco) entre os profissionais. De alguma forma, o que lá se denomina de terrorismo midiático (os temas repetidos à exaustão, como parte de um procedimento que conduz ao medo e a apatia social) tem sido assunto de acaloradas discussões, com direito a manifestações de rua. No dia 27 de junho, por exemplo, governo e oposição organizaram passeatas em comemoração ao dia do jornalista. A data reverberou em todos os meios de comunicação e o debate foi intenso.


Assim, entendo que, longe de se estabelecer uma ditadura conduzida por um sujeito destemperado (Hugo Chávez), o que ocorre é um árduo processo de transformação social, que encontra (e encontrará) toda sorte de obstáculos, de leituras parciais, mas que prosseguirá na construção de uma sociedade socialista, de inspiração bolivariana porque calcada na figura do libertador nacional, Simon Bolívar.




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