31 agosto 2022

Fim de agosto

 

O punctum da imagem: FOME


O frio permanece nestes dias, temperaturas em média 12º.C, um pouco menos durante a madrugada, um pouco mais durante o dia. Ontem o sol apareceu, timidamente, e hoje deve permanecer brilhando em céu despejado, aquecendo-nos livremente. Agora pela manhã, são onze horas, o calor não é suficiente (16º.C) para afastar a ambiência fria que nos envolve. Seja como for, neste final de agosto o inverno está com os dias contados, o que por si só é uma alegria, para mim e para tanta gente. Os dias serão mais longos e mais aquecidos, esqueceremos por um bom tempo o que é sentir o incômodo das noites geladas.

A imagem revela parte da realidade presente na região da Paulista, a mais rica da cidade, onde há maior movimentação de capital, onde o dinheiro - como diria Simmel - se eleva a denominador comum de todos os valores (e) corrói irremediavelmente o cerne das coisas. A indiferença racional que a sua circulação provoca, nos torna cúmplices do crime diário das mortes por inanição ou por hipotermia. Ao redor do parque Trianon, tal qual um abraço medonho, se estende um cinturão de barracas, indigentes jogados à própria sorte, em um acampamento sem prazo para terminar. O abandono do poder público é visível, e o que é pior, o distanciamento dos olhares é o efeito mais explícito do comportamento blasé das pessoas que ainda desfrutam de alguma renda para viver.

O blasé a que me refiro é mais uma referência de Simmel, trata-se da completa ausência de reação, da impossibilidade do espírito se sensibilizar com as diferenças ao redor. Numa palavra, o embotamento do caráter. A ilusão da meritocracia propicia esse deserto de solidariedade, e consequentemente, a reprodução da miserabilidade. Quanto à imagem, ela confirma o punctum inquietante: a tabuleta com os dizeres 'Fome'. Se há fome na avenida Paulista, o que podemos esperar nos territórios com mais precariedade?

Sob o Masp, o grande museu latino-americano, onde outras dezenas de barracas guardam em silêncio gente que foi despejada pelas ganâncias do sistema econômico vigente, é possível imaginar o autorretrato de Van Gogh deparar, de maneira perplexa, tamanha degradação social.

Tem sido cansativo ouvir comentaristas de futebol e cada vez menos estimulante escrever estas crônicas. No primeiro caso, a limitação, acompanhada da predisposição mercadológica dos temas de análises, me afastam da apreciação do futebol. Não subsiste mais o brilho com a surpresa do toque diferenciado, pelo detalhe da defesa do goleiro, pelo respeito ao trabalho dos profissionais da bola, sem que concorra a polêmica como artifício mercadológico para fomentar a audiência. Além do que, uma maçaroca de estatísticas enquadra a subjetividade lúdica, em repetição ao que ocorre nas análises dos esportes coletivos norte-americanos, eliminando significativamente a singeleza do futebol. Todos os lances passam a ter causa e efeito nos números. Restrinjo-me, então, a ver os resultados, sem qualquer ânimo especial. Quanto a prosseguir com o blog, ainda resisto, imaginando que em breve, talvez, não tenha mais esta obrigação. Certas perguntas começam a me assediar, por que, para quê?

Lula permanece em torno dos 45%, o ex-capitão em torno dos 32%, faltam trinta dias para as eleições. No Estado, Haddad tem boa dianteira sobre o segundo e terceiro colocados, mas não leva no primeiro turno. Que desespero! Quão doloroso o sofrimento destes quatro anos, acrescidos aos dois de Temer! Quantas péssimas notícias, que começam com o desemprego em massa e a redução dos direitos trabalhistas, na destruição acelerada da Amazônia, na privatização de parte do patrimônio do Estado brasileiro, no abjeto sistema de controle e distribuição de verba pública do orçamento secreto, no sucateamento da educação e da saúde públicas, e que terminam com o morticínio da pandemia. Só espero que estas eleições possam afastar a matilha dirigente, que em seis anos conseguiu nos reconduzir à condição de um país miserável. 



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