12 setembro 2022

Uma poesia - Mario Benedetti



Desaparecidos

Estão em alguma parte/concertados
desconcertados/surdos
buscando-se/buscando-nos
bloqueados pelos signos e pelas dúvidas
contemplando as grades das praças
as campaínhas das portas/os velhos terraços
ordenando seus sonhos seus esquecimentos
quem sabe convalescentes de sua morte privada

ninguém lhes explicou com certeza
se já se foram o se não
se são cartazes ou temores
sobreviventes ou responsos
veem passar árvores e pássaros
e ignoram a que sombra pertencem

quando começaram a desaparecer
faz três cinco sete cerimônias
a desaparecer como sem sangue
como sem rosto e sem motivo
vieram pela janela de sua ausência
o que ficava atrás/esse andaime
de abraços céu e fumaça

quando começaram a desaparecer
como o oasis nas miragens
a desaparecer sem últimas palavras
teriam em suas mãos os pedacinhos
de coisas que queriam

estão em algum lugar/nuvem ou tumba
estão em algum lugar/estou seguro
para além no sul da alma
é possível que tenham perdido a bússola
e hoje vaguem perguntando perguntando
onde caralho está o verdadeiro amor
porque vêm do ódio.



(Tradução do original em espanhol Desaparecidos, de Mario Benedetti. Antología Poética, Alianza Editorial, 2008).



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